Os produtores de leite dos Açores perderam quase 70 milhões de euros nos últimos 2 anos e meio | Agricultor 2000


O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel faz uma análise ao setor agrícola, defendendo a necessidade das indústrias aumentarem o preço do leite aos produtores, atendendo aos sinais positivos dos mercados dos produtos lácteos. Aborda o plano regional anual para 2017, onde o setor agrícola precisa de mais verbas para fazer face aos compromissos existentes. Jorge Rita, fala ainda sobre o conselho regional de agricultura, florestas e desenvolvimento rural recentemente realizado e da excessiva fiscalidade e segurança social a que os agricultores estão sujeitos.

- O secretário da Agricultura afirmou que o setor agrícola é o que tem mais verbas no Plano para 2017.

Jorge Rita - É normal que assim seja. Mas, apesar disso, não estamos satisfeitos. Pretendemos um aumento de verbas de 10% no investimento público em relação ao Plano de 2016. O aumento do investimento regional que se verifica é de 4% e que é residual atendendo à baixa execução de 2016 (ainda não conhecemos a execução final) e à baixa execução de 2015. Estamos a falar de verbas que deviam ter sido investidas no setor agrícola e não foram. E não podemos esquecer que, ao longo de 2016, se acentuou a descapitalização das empresas agrícolas.

No Plano para 2017 quase que desaparecem as verbas para a reestruturação do setor, e diminui bastante o investimento em caminhos, água e luz. Este é o melhor instrumento que o governo regional tem em seu poder para ajudar os produtores. E, comparativamente a 2016, há menos cerca de 40% no investimento nas infraestruturas agrícolas. E esta, para nós, é uma situação prejudicial para o setor.

A minha grande preocupação, neste momento, é ver que o governo regional pode, de forma direta, ajudar muito os produtores, construindo infraestruturas agrícolas, mas atendendo à diminuição de verbas previstas, não o irá fazer no próximo ano. E quando falamos em infraestruturas agrícolas falamos de uma forma generalizada: caminhos, abastecimento de água e luz nas explorações. E estamos a fazer esta reivindicação porque todos sabem que ainda há muito por fazer nesta área.

E, no meu entender, onde o governo regional nunca pode desinvestir é nesta área porque é a melhor ferramenta que tem para fazer justiça na Agricultura, ou seja, um produtor de leite que esteja onde estiver que tenha água e luz na sua exploração à dez anos, recebe mais 4 cêntimos a 4,5 cêntimos por litro de leite em relação a outros que não têm essas condições. E nós todos pagámos impostos ao Estado, independentemente da zona onde estamos. Ou seja, se estivermos no Nordeste, na Povoação, nos Mosteiros ou noutra zona qualquer, não há isenção de impostos. Pagam todos impostos. Por isso é uma obrigação do governo continuar a investir, em força, em infraestruturas agrícolas para que as assimetrias não se acentuem dentro da mesma ilha.

Temos de fazer um investimento na Região Autónoma dos Açores de uma forma bem articulada, em que todos possam beneficiar. Por isso, estamos convencidos que as verbas inscritas no plano para a agricultura tal como estão, vão desvirtuar claramente aquilo que deveria ser o investimento do governo regional.

As verbas resultantes da diminuição de fluxos financeiros para as infraestruturas agrícolas e do cancelamento do pagamento de 45 euros por vaca para São Miguel, Terceira e restantes ilhas serão, canalizadas, principalmente para investimento nos matadouros, e para cumprir os pagamentos em atraso da região.

No entanto, aguardamos e temos esperança que a proposta do Plano regional anual para 2017 tenha melhorias face à anteproposta apresentada aos parceiros sociais.

 - Permanecem na ordem do dia questões como o pagamento por conta e a Segurança Social…

J. R. - É verdade. Há um trabalho que a Região não está a fazer que é um 'forcing' a nível nacional na questão dos pagamentos por conta e da segurança social que neste caso já terminou em Dezembro. Ainda não vi nenhuma intervenção do Presidente do Governo Regional nem do senhor secretário em relação a esta matéria junto do governo central.

A concertação estratégica na República nos últimos tempos permitiu que a contrapartida para o patronato tivesse a ver com a redução dos pagamentos por conta. O que não queremos nos Açores é fazer estes pagamentos por conta de forma antecipada. E estamos a fazer estes pagamentos em 2016 (o pior ano dos últimos 20 para os agricultores) com base em contas de há dois anos, em 2014, em que o rendimento foi excelente.

Houve um compromisso político antes das eleições regionais de que esta situação iria ficar resolvida. Mudámos de governo a nível nacional e a situação ainda está por resolver.

Para além da gravidade desta situação, temos a questão da Segurança Social. Terminou em Dezembro de 2016 a isenção parcial do pagamento. Já estamos no início de um outro ano e volta tudo ao princípio. Toda a gente gosta muito de falar dos jovens agricultores. Há muita promessa para os jovens agricultores. E, na prática, todos os jovens agricultores, que estão instalados a partir de 2011, vão pagar uma prestação à segurança social na ordem dos 28.3%, baseado no seu rendimento bruto. Temos muitos produtores de leite, e não só, que pagarão à segurança social mais de 700 euros por mês, e se juntarmos o pagamento por conta, o IRS, os custos financeiros e as despesas da exploração, tudo isso pode significar falência. Ou seja, estamos aqui a dar com uma mão e a tirar com a outra em relação à segurança social.

A Segurança Social tinha de ser vista no todo nacional. E, aqui, por parte da Região, estranho claramente que esta situação não tenha sido colocada pelo Governo dos Açores ao Governo da República. Se o governo fosse de outra cor, esta questão seria muito badalada como foi no passado. Não é por mim porque mantenho a mesma posição independentemente dos governos. Mas o Governo Regional deveria ter agora a mesma posição que teve quando o governo da República era de outra cor em relação a estas duas matérias: o pagamento por conta e a Segurança Social. Estas são duas situações que já deviam estar resolvidas.

- Tem havido pouco poder reivindicativo do Governo dos Açores perante o actual Governo da República?

J. R. - Sim, como é notório, não há uma grande reivindicação regional. Se há em outras áreas não sei. Na agricultura não existe.

Pode haver muitos benefícios em outras áreas. Mas, na Agricultura - e só estou a referir-me aos pagamentos por conta e à Segurança Social - não vi qualquer poder reivindicativo. Em relação a esta matéria, dá para perceber uma acomodação da Região.

Já tenho visto o senhor secretário regional, de uma forma muito proactiva, fazer muitas visitas nos Açores a todas as organizações e indústrias, mas ainda não o vi, a nível nacional, fazer nenhuma visita e ter nenhuma reunião com o Ministro da Agricultura em relação a estas matérias que são do interesse da Região e em que o Governo da República deve ter uma comparticipação obrigatória. E, quando se fala de solidariedade, o governo da República deveria estar solidário com os produtores de leite dos Açores, o que, no meu entender, neste momento, continua a faltar.

- Entretanto Federação Agrícola dos Açores, a Câmara do Comércio e indústria dos Açores e a  UGT propõem uma adaptação fiscal..

J. R. - Sem dúvida, entendemos que é necessário rever o pacote fiscal para que possam ser criados incentivos à revitalização da economia regional, e pretendemos também apresentar, propostas legislativas de criação do Conselho Económico e Social e de revisão dos conselhos de ilha.

E cada vez mais importante que as empresas e as cooperativas tenham maior capacidade de investimento, porque só desta forma é que poderemos ao mesmo tempo, promover o crescimento da economia e gerar emprego sustentável e duradouro.

Assim, foi entendido formalizar uma reunião ao presidente do governo onde serão abordados estes assuntos em pormenor e da qual aguardamos que saiam soluções capazes de melhorar os rendimentos dos agricultores.

- O Conselho Regional da Agricultura debateu várias questões, mas poucas delas vieram para a opinião pública…

J. R. - Do meu ponto de vista, este último Conselho Regional da Agricultura foi atípico porque não transpareceram para a opinião pública as principais preocupações dos agricultores. Foi o primeiro Conselho deste novo Secretário Regional, tendo os assuntos sido todos debatidos, mas pouco se soube no exterior. Penso que houve alguma precipitação na comunicação dos temas do Conselho.

Foi o setor leiteiro que teve a maior predominância, dadas as suas vicissitudes e as suas preocupações de momento. Falamos claramente que faltava uma estratégia regional em relação a esta matéria.

Como exemplo, e após reunião do Centro de Leite e Lacticínios onde se tomaram decisões conjuntas importantes, mas que não foram implementadas por todos. Para ser mais explícito, ficou decidido que, em 2016, se deveria repetir na Região a produção de leite de 2015 que foi a maior produção de sempre nos Açores. Fez-se a opção de 2015, acordado por todos os intervenientes da fileira, sem excepção. E, depois, na prática, esta situação não aconteceu. Por isso, também faço uma grande crítica ao governo regional no sentido de que deveria ter uma palavra a dizer.

O que acontece é que, neste momento, algumas indústrias que penalizaram muito os seus produtores, hoje estão melhor do que as outras que não o fizeram e estas, agora, estão numa situação complicada e acabam por penalizar todos os produtores da Região devido aos excedentes que têm.

Espero que, da parte do governo regional, a canalização das ajudas não seja retirada dos produtores para dar às indústrias que não cumpriram com as suas obrigações. O que é que eu quero dizer com isso? Espero que os 45 euros por vaca atribuídos em São Miguel, Terceira e outras ilhas, sejam repostos no plano de 2017 e que estas verbas não sejam transferidas para nenhuma das indústrias que não cumpriram com as suas obrigações.

- E o Secretário da Agricultura mostrou-se sensível a estas questões?

J. R. - Sim, pelo menos ele não as rebateu. Nós tivemos uma discussão com elevação, como é óbvio, em que o senhor Secretário tomou nota de todos os assuntos para que tudo fique lavrado em acta.

E é preciso ter soluções para alguns destes casos que são mais pertinentes. E esta questão da diminuição de verbas em infraestruturas agrícolas e o cancelamento do prémio de 45 euros por vaca leiteira são muito importantes. As questões do pagamento por conta e da Segurança Social que penaliza os jovens agricultores têm que ter uma solução. E foram debatidas outras questões relacionais com as medidas agroambiente e clima, além de atrasos em alguns pagamentos.

Até ao final de Janeiro houve uma recuperação de alguns pagamentos, isto devido às denúncias que fizemos. Mas ainda há muitos pagamentos por fazer quer a produtores, quer a algumas organizações.  E o governo regional tem de pôr as suas contas em dia. Não basta só dizer que tem bons resultados.

No Conselho Regional da Agricultura também se falou na diversificação agrícola, na área da carne, nos matadouros, na formação profissional, na revisão do Posei, do Prorural, no Proamaf, Agrocrédito e Safiagri III, na regra dos minimis, no gasóleo colorido, no controlo de roedores, no apoio financeiro às organizações, nas guias de movimentação de animais, no transportes e também dos seguros agrícolas que nunca se conseguiram fazer na Região e que, enquanto não se fizerem, vai haver sempre desconfiança e insegurança em relação a algumas produções agrícolas.

Os assuntos abordados foram assim, vastos e abrangentes e transversais ao setor agrícola.

- Pode explicar melhor a questão da ajuda de 15 mil euros aos agricultores?

J. R. - Vou dar um exemplo: Há praticamente 50 explorações agrícolas que têm a eletricidade à entrada e os seus proprietários não têm capacidade financeira para trazer a luz para a exploração, já que estamos a falar de verbas entre 7 e 15 mil euros, conforme o orçamento.

É preciso que também se perceba que durante muitos anos, o IROA colocava a luz dentro das próprias explorações. E a opção adoptada o ano passado, foi levar a electricidade até junto às explorações e, depois, os agricultores colocarem a luz na exploração. E a intenção do IROA é que, com o dinheiro que não investia nas baixadas, poderia levar electricidade a mais explorações. No entanto, havia a possibilidade de o produtor fazer um projecto que dava uma ajuda de 50% para que a luz entrasse na exploração. No entanto, o produtor não se pode candidatar porque, esgotou o apoio de 15 mil euros durante 3 anos de ajudas regionais devido à regra dos minimis.

Quando o actual Secretário Regional tomou posse, e na visita que fez à Associação Agrícola, prometeu resolver esta situação, uma vez que o apoio regional com o limite de 15 mil euros por produtor passaria a ser considerado um auxílio estatal, deixando de haver limites no apoio. O facto é que precisamos que esta legislação seja resolvida o mais rapidamente possível.

Há uma série de ajudas regionais como o SAFIAGRI III, Proamaf, do prémio da vaca leiteira e outras, se não forem consideradas auxílios estatais, estrangulam alguns produtores devido à sua dimensão.

- Os lavradores já estão de cabeça de fora da crise?

J. R. - Não. Os lavradores hoje sorriem porque o tempo é bom, sorriem porque têm erva na pastagem, alguns - que viram aumentado o preço do seu leite - começam a ter algumas expectativas positivas e há uma grande esperança que - se os mercados continuarem a melhorar como tem acontecido - haja mais aumentos do preço do leite na Região.

Perdemos, em dois anos e meio, quase 70 milhões de euros no sector do leite na Região Autónoma dos Açores. Não admira, por isso, que muitas explorações estejam descapitalizadas.

A grande questão é que a lavoura está suportada por algumas organizações, pela banca e há alguns lavradores que têm tido uma resistência e uma resiliência impressionante. Se outros setores de atividade tivessem passado por uma crise desta dimensão, talvez não tivessem resistido tanto.

Mas não queremos viver dois anos de crise, dois anos bons. Até porque isso afeta psicologicamente não só o produtor, como toda a família e até todo o investimento que pode ser feito.

Sabemos que foram os mercados, o fim das quotas leiteiras e o embargo russo, que tiveram influência na crise do leite. E o que entendemos é que a indústria deve valorizar ainda mais os produtos. E isso é o que todos dizem e poucos fazem. Aqueles que começam a fazer isso, já estão a ter resultados diferentes no mercado e já vão começar a pagar de forma diferente aos produtores.

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