A produção de leite nos Açores tem de diminuir | Agricultor 2000


Jorge Rita aborda as mais recentes temáticas da lavoura açoriana, em destaque está a residual subida do preço do leite açoriano, e consequentemente o avanço da redução da produção de leite. O Plano e Orçamento para 2022 a falta de mão de obra na agricultura são igualmente questões abordadas.

- O excesso de produção de leite parece ser na atualidade um problema na região. Como é que se pode baixar a produção regional?

Jorge Rita - Temos uma proposta trabalhada já há muito tempo. Quem reduzir a sua produção de leite vai receber um envelope financeiro pela redução. Vamos propor à União Europeia que alguns dos apoios que já existem e outros que poderão vir para este objetivo.

- Um lavrador que aceite reduzir 100 mil litros de leite num ano, que apoios poderá receber?

J. R. - O lavrador assume o compromisso de reduzir a sua produção em 100 mil litros de leite. E recebe um apoio por essa redução. Mas tem de ser um apoio que o lavrador considere que compensa a redução.

Este apoio está a ser negociado. Os valores que propomos estão sujeitos a uma aprovação prévia da União Europeia. Estamos a preparar o processo e, depois, vamos anunciar aos agricultores como tudo se vai processar.

O ideal para o produtor é fazer com que ele perceba claramente e objetivamente que vai ganhar mais pelo leite que deixa de produzir do que pelo mesmo leite se o produzisse.

Irá ganhar mesmo muito mais do que o valor da produção dos 100 mil litros ao preço que o leite está a ser pago por litro hoje e ao brutal aumento dos custos de produção que se está a verificar.

O efeito imediato é que a fábrica vai ter menos leite porque os industriais consideram que têm excedentes e algumas dizem mesmo que estão a receber leite a mais. Não podem dizer hoje o contrário. O discurso das indústrias é o dos excedentes.

A nível nacional considera-se que os Açores têm um excedente de leite UHT à venda no continente, o que prejudica sobretudo o seu leite do dia. E cada vez há menos consumo de leite. Se este discurso se mantém e se as indústrias não querem pagar mais por litro de leite por esta razão, então não vamos insistir em dar mais leite à indústria. O meu interesse não é produzir mais ou produzir menos. É produzir a uma dimensão em que a produção possa gerar rendimento. E, presentemente, não estão a ganhar absolutamente nada. Pelo contrário, só perdem.

O produtor que reduziu 100 mil litros de leite vai chegar ao final do ano e verificar que o seu rendimento, apesar de ter produzido menos, é maior…

- Este processo estará sempre dependente da União Europeia?

J. R. - Sem dúvida. Enquanto a União Europeia não disser para avançarmos, não podemos revelar qual a nossa proposta. Nesta primeira fase, pergunta-se à União Europeia se, nos Açores, com todos os seus condicionalismos, se podemos avançar com uma proposta de pagar ao produtor determinado valor para que não produza determinada quantidade de leite.

O que pretendemos nos Açores é reforçar a pegada ecológica e a defesa do ambiente, reduzindo as emissões de carbono. Obviamente, contribuindo para se reforçar estes objetivos, a União Europeia irá atribuir determinados apoios no sentido de os produtores poderem reduzir a produção de leite.

A lavoura vai ser confrontada com o brutal aumento dos custos de produção, de uma forma transversal a todos. A indústria não dá sinais de aumentar o preço do leite. E, como resultado disto, os produtores vão ser obrigados a reduzir as suas produções.

E mais: Não está garantido que, no próximo ano, o mercado internacional forneça aos Açores matérias-primas, ou seja, cereais e oleaginosas para fazer as rações porque o que existe é pouco. A situação é dramática…

Neste momento, não sabemos ao certo para que valores vão continuar a aumentar os custos de produção. E os aumentos dos preços de leite foram residuais. Todos sabemos que a indústria vai ter que aumentar o preço do leite, mas pode não ser o suficiente. E por isso é que nos temos de precaver já neste momento com várias soluções e esta é uma delas.

Tivemos aqui a Ministra da Agricultura, o Secretário da Agricultura e mais de 100 produtores e ninguém contestou esta solução. Bem pelo contrário, as pessoas estão cientes do problema e das dificuldades.

E vou dar um exemplo: se tivermos um copo cheio de leite e continuarmos a encher o copo, tudo o que derramar é desperdício. E o que está a acontecer, pelo que dizem as fábricas, é que lhes estamos a dar leite a mais e que têm dificuldade em escoar. Acrescentam que fazem produtos de pouco valor acrescentado devido a esta pressão. E, como têm muita pressão, dizem que vendem mal no mercado. Se é assim, nós, de uma forma proactiva, temos de resolver o problema. Fazer com que os produtores não percam mais do que aquilo que já estão a perder. E, se possível, ganhar algum que neste momento é indispensável. E quem quiser fazer a redução obviamente que será compensado com um valor em que perceba claramente que, reduzindo aqueles litros, vai ganhar mais.

Da forma que os custos de produção estão a aumentar, a situação será dramática para todos nós.

- Como está o processo de reconversão de leite para carne em São Miguel?

J. R. - Quando os produtores tiverem reconvertido a sua produção, quase 20 milhões de litros de leite vão transitar para a carne.

E, obviamente, o que irá acontecer nos próximos tempos é, com a redução prevista, vai haver menos leite.

Produzir mais leite nos últimos anos nos Açores não tem valido a pena porque as indústrias e a distribuição não têm valorizado o leite. Agora, se o leite tivesse subido dois cêntimos e meio nos últimos quatro a cinco anos, não estávamos a falar hoje assim. E hoje, o diferencial de preço da Região para o continente é cerca  de cinco cêntimos e para a Europa o diferencial já está perto dos dez cêntimos. É que se recebêssemos como recebem os produtores na Europa a produção nos Açores não estava em crise. Bem pelo contrário.

A situação está assim, não pela forma como temos trabalhado, mas sim pela forma como a indústria tem industrializado o leite que produzimos. E por isso é que não demos o salto em matéria de rendimento.

- Com isso, será que a importância do pilar da fileira do leite na economia açoriana vai enfraquecer…?

J. R. - Façamos uma conta muito simples. Se baixássemos 50 milhões de litros de leite nos Açores, o leite que continuamos a produzir fica muito mais valorizado no mercado e o que vai acontecer é o contrário do que diz: A fileira do leite ficará mais robusta por passar a haver mais rendimento.

O nosso problema é que exportamos mais de 300 milhões de euros de produtos lácteos. Mas se estes produtos lácteos tivessem mais valor acrescentado, haveria um aumento do valor das exportações. Portanto, não estamos a falar da quantidade. Estamos a falar é da valorização que falta.

O que concluímos é que esta valorização se atinge reduzindo a produção. E os produtores não podem reduzir a produção sem ajudas. E os produtores, se fizerem as suas contas, se reduzirem as suas produções, vão ganhar mais. Isto não é para todos. Será para aqueles que entenderem que na sua exploração, se reduzirem voluntariamente uma parte da produção e tiverem uma ajuda, vão ganhar mais do que a produzir da forma que estão a produzir.

- Perante o cenário atual, qual a produção desejada para o leite na região?

J. R. - Estamos com uma produção anual de 650 milhões de litros de leite aproximadamente, se no próximo ano voltássemos aos 600 milhões, teríamos uma produção muito mais sustentável em termos ambientais, muito mais tranquilidade na produção, as indústrias iriam repensar a sua forma de transformar e vender. Isso seria melhor para todos nós.

Dizem que temos uma fábrica de rações e queremos é vender ração. A minha resposta é: Não, nós queremos vender bem e os lavradores têm que ter condições para nos pagar. E, neste momento, não é vendendo mais nem produzindo mais que se resolve o problema dos produtores dos Açores. Temos é que continuar a produzir bem, com excelência e a indústria tem de valorizar o produto. Se é reduzindo a produção, este é o caminho que iremos fazer, claramente imposto pela indústria.

- Entretanto a Federação Agrícola dos Açores tem feito um trabalho contínuo para a melhoria dos rendimentos dos produtores, tendo participado em várias audiências com as diversas entidades partidárias. Que conclusões importantes para o setor agrícola açoriano obteve destas reuniões?

J. R. - Os produtores atravessam um período dramático nos Açores, por isso, a Federação Agrícola dos Açores reuniu com os representantes das diversas entidades partidárias da região, nomeadamente do PSD, PS, CDS, PPM, Chega, Iniciativa Liberal, B.E e o deputado independente para demonstrar a grande preocupação que existe na fileira do leite na região.

Os tempos são muito difíceis e têm de ser tomadas medidas estruturais capazes de alavancar o setor na região e por isso, a sensibilização feita junto dos partidos políticos com assento no parlamento regional era fundamental. O preço de leite não pode ser pago aos preços atuais, isto tem de mudar e para isso, a nossa classe política tem de estar a par do que se passa, para que possa contribuir para a solução que tem de ser global para os Açores.

- O que acha que o Governo deve mudar nas propostas do Plano e Orçamento regional para o próximo ano de 2022?

J. R. - No parecer da Federação Agrícola dos Açores alerta-se para a importância do investimento público na região, que deve contribuir para colmatar as grandes carências ainda existentes na economia regional, agravadas nos últimos dois anos pelos efeitos da pandemia provocada pelo covid-19. O setor agrícola necessita de investimento e a componente pública (seja regional ou comunitária) é essencial para a viabilidade das explorações agrícolas, por isso, os números apresentados no plano regional anual 2022 são preocupantes e necessitam de ser reforçados.  A situação internacional está a agravar-se e a subida dos preços de mercado das matérias-primas, no ano de 2021 têm sido muito significativas e com consequências ainda por aferir. A subida significativa dos preços dos combustíveis, que no gasóleo agrícola aumentou 15%, de 5 a 10% dos preços da maquinaria e outros equipamentos agrícola, em virtude da subida do ferro, aço, alumino e cobre, a subida expressiva, superior a 100%, dos preços dos fretes dos transportes marítimos de granéis sólidos, e de cerca de 500% nos preços dos fretes da carga contentorizada da China para a Europa Ocidental. A escassez de oferta de fertilizantes, com exorbitante subida de preços que poderão atingir, até ao final do ano, são situações de grande apreensão e que devem ser consideradas na elaboração do orçamento e do plano regional anual para 2022. Estas são preocupações reais e que irão afetar direta ou indiretamente a população Açoriana, pelo que, devem ser criados mecanismos capazes de ajudar a minimizar as subidas exorbitantes previsíveis. Na minha opinião o Plano de investimentos deve contemplar algumas medidas capazes de promover a reestruturação do setor agrícola, a implementação de um novo SAFIAGRI, o incremento no melhoramento e sanidade animal e vegetal, o alargamento da formação profissional junto dos agricultores e dos mais jovens, as infraestruturas agrícolas, o apoio às organizações de produtores e aos jovens agricultores, a melhoria do modelo de transportes marítimos em vigor, a comparticipação regional dos fundos comunitários e também, de ter capacidade financeira para a implementação de algumas medidas pontuais que poderão ser necessárias, atendendo ao quadro económico previsto para o próximo ano. A nível setorial é necessário manter na agenda a reestruturação do setor leiteiro, dando um sinal claro de qual é a estratégia proposta, para que os produtores se possam adaptar e as indústrias sejam chamadas a uma maior responsabilização na valorização da matéria-prima, que tem de passar imperativamente, pelo aumento do preço de leite à produção. Igualmente, o próximo plano e orçamento deve conter os meios suficientes, para que o setor da carne, hortoflorifrutícola, da agricultura biológica, da floresta e da vinha, possam ter o investimento necessário, capaz de contribuir para a resolução dos problemas existentes. A execução dos planos de investimento é sinónimo de credibilidade dos documentos apresentados, assim, entende-se ser esta uma vertente de grande importância à qual o Governo dos Açores deve ter particular apetência em cumprir.

- A falta de mão-de-obra na agricultura é cada vez mais uma realidade nos Açores, que tipo de medidas acha que se deve tomar na região?

J.R. - Neste momento, não está a ser aliciante trabalhar na agricultura na Região Autónoma dos Açores e mesmo quem tem margem económica para contratar não está fácil encontrar mão-de-obra, cada vez precisamos de mais mão-de-obra especializada e qualificada e no nosso ponto de vista, ainda vai ser necessário importar mão de obra para se trabalhar na agricultura. Esta é uma situação que era impensável há muitos anos e que a manter-se ameaçará seriamente a sustentabilidade do maior setor produtivo dos Açores. Têm de ser dados passos para resolver este problema que é real e que tem de ser encarado de frente. Devem ser criados programas que possam ajudar a colmatar esta situação. Um exemplo seria o aproveitamento de jovens em idade escolar que poderiam nas férias ajudar nalgumas tarefas agrícolas, como no caso das vindimas. Não só ganhariam algum dinheiro, como passariam pela experiência de contactar diretamente com a atividade agrícola.

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