“A agricultura é o coração da economia açoriana” | Agricultor 2000


A agricultura continua a ser o grande pilar da economia açoriana. Quem o afirma, de forma clara e convicta, é Jorge Rita, Presidente da Associação Agrícola de São Miguel. Nesta entrevista, fala dos desafios do sector, da necessidade de maior justiça nos apoios, da importância do turismo como aliado e da urgência em atrair jovens para a atividade agrícola. Sem rodeios, deixa o recado: "É preciso agir já, ou o sector corre riscos sérios nos próximos anos"

-  Jorge Rita, quais são os principais argumentos que utiliza para afirmar que a agricultura continua a ser o pilar principal da economia açoriana?

"A agricultura nunca parou. Nem na pandemia."

Jorge Rita - O crescimento da economia dos Açores sempre esteve assente numa agricultura sustentável - económica, territorial e socialmente. A agricultura não parou nem mesmo na pandemia da COVID-19, ao contrário de quase todos os outros sectores. Continuámos a produzir, a alimentar, a exportar. A sustentabilidade económica da região está, historicamente, ligada à agroindústria. Basta consultar as 100 maiores empresas dos Açores - a maioria está diretamente ligada à agricultura. Portanto, é evidente que este sector é, e continuará a ser, o pilar principal da nossa economia.

- Outro sector que tem crescido muito é o turismo. De que forma a agricultura e o turismo podem complementar-se?

J.R. -  O turismo só tem crescido porque há uma boa agricultura nos Açores. As paisagens que encantam os visitantes são, em grande parte, resultado direto do trabalho dos agricultores. Além disso, os turistas procuram experiências autênticas e produtos locais de qualidade - e é isso que a agricultura oferece. O consumo de produtos regionais pelos visitantes é uma forma eficaz e gratuita de promover a excelência dos nossos produtos, até porque os agricultores são os jardineiros das nossas paisagens e prados verdejantes e os maiores defensores do nosso ambiente.

- Quais são os principais desafios que a agricultura enfrenta atualmente nos Açores?

J.R. - O principal desafio é manter uma agricultura sustentável e diferenciada pela qualidade. Mas há constrangimentos sérios: o rendimento dos agricultores ainda é baixo, especialmente na fileira do leite, que continua a ser o mais mal pago da Europa. Também enfrentamos dificuldades como as alterações climáticas, a escassez de mão-de-obra e o aumento dos custos de produção. É fundamental valorizar e investir no sector para garantir a sua continuidade.

- O leite tem sido particularmente problemático. O que está a ser feito para melhorar essa situação?

J.R. -  É urgente aumentar o preço do leite pago ao produtor. Os agricultores estão desmotivados - não só pelo rendimento, mas também pelas condições de trabalho. Se esta situação não for corrigida, veremos uma transferência da produção de leite para carne, menos animais e, em consequência, uma quebra de produção. É preciso ação imediata por parte das indústrias de lacticínios e do Governo.

- Qual é a importância dos apoios do Governo Regional e da União Europeia para o sector agrícola?

J.R. - "Essenciais. Sem os apoios da Política Agrícola Comum (PAC), a agricultura não seria viável. Esses apoios garantem que o consumidor final tenha acesso a produtos alimentares a preços acessíveis. No entanto, defendo que os subsídios não deveriam ser tributados com IRS nem IRC, como acontece atualmente, pois isso mina o seu propósito".

 

Apoios europeus: essenciais, mas insuficientes

 

- Os apoios atuais são suficientes para garantir a sustentabilidade do sector?

J.R. -  "Não. Na minha recente visita a Bruxelas, defendi, não só a manutenção do programa POSEI, como também um reforço substancial do seu orçamento no próximo Quadro Financeiro Plurianual, de modo a responder às evidências de desatualização e subfinanciamento crónico, bem como às reais necessidades das RUP. Reforçar e agilizar os apoios não é apenas uma questão de justiça para com os agricultores, mas uma condição indispensável. O orçamento do POSEI permanece inalterado desde 2009: 70,475 milhões de euros para as Medidas de Apoio às Produções Locais (MAPL) e 6,3 milhões de euros para o Regime Específico de Abastecimento (REA). É preciso atualizar urgentemente os montantes atribuídos.

Também temos problemas com atrasos nos pagamentos de algumas verbas regionais -como os apoios da República (16M€), a conclusão dos pagamentos do apoio ao abate da ajuda aos produtores que abateram bovinos em 2021 (compensação devido à COVID-19, o apoio à aquisição de sementes do milho forrageiro e sorgo que foram anunciados em 2024 e o pagamento da redução voluntária da produção leiteira de 2024. Tudo isto, são montantes significativos que fazem falta para capitalizar as explorações. Por isso, é necessária uma revisão urgente dos apoios atribuídos, não só no montante global, mas também na sua adequação às realidades específicas das regiões e à evolução dos mercados".

- Jorge Rita tem alertado publicamente para os problemas das infraestruturas portuárias em São Miguel, na sua perspetiva, que tipo de investimentos considera urgentes e prioritários para garantir que o porto possa dar resposta às atuais necessidades da agricultura e da economia regional, nomeadamente no que toca à receção de matérias-primas e à exportação de bens transformados?

J.R. -  "De facto, temos vindo a alertar há vários anos para a necessidade de investimentos estruturantes no porto de Ponta Delgada, que é hoje uma infraestrutura claramente desajustada face às necessidades reais da nossa economia. Quem utiliza o porto diariamente - como é o caso do setor agrícola e agroindustrial - conhece bem as limitações operacionais, os atrasos, os custos acrescidos com movimentação de cargas e os constrangimentos logísticos que daí advêm. É urgente que se faça uma modernização e ampliação da capacidade portuária, começando por melhorar as condições de acostagem, e a eficiência na descarga de matérias-primas essenciais que são fundamentais para o nosso setor produtivo, precisamos de um porto que funcione como um verdadeiro motor logístico e económico, e não como um travão ao desenvolvimento regional. Os investimentos não podem ser adiados por mais tempo. Os transportes marítimos têm sido, desde sempre, um constrangimento para o desenvolvimento do setor agrícola nos Açores. Atualmente o modelo de transportes marítimos não está a cumprir o seu desígnio, está desajustado da nossa realidade e necessidades.

- Há ainda a dificuldade de atrair jovens para a agricultura. O que pode ser feito para inverter essa tendência?

J.R. -  Tem de se começar pela valorização do sector. Os jovens precisam perceber que ser agricultor é uma responsabilidade social e um papel essencial. Precisamos de comunicar melhor, mostrar o potencial da tecnologia, da mecanização, da inovação. E também é fundamental garantir rendimentos justos e melhores condições de trabalho, nomeadamente através do aumento do preço do leite e da redução da carga fiscal e da segurança social que tanto pesam, principalmente aos jovens agricultores e para aqueles que têm projetos de 1ª instalação.

- Por fim, que mensagem gostaria de deixar aos agricultores açorianos?

J.R. -  Que se orgulhem do trabalho que fazem. São a base da sustentabilidade da Região - económica, social e territorialmente. Quem produz, quem alimenta, quem cria, é diferente. Os agricultores dos Açores devem continuar com autoestima, porque são eles que sustentam a nossa terra. Nenhum outro sector, até hoje, fez ou fará igual.

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