É impensável a região devolver fundos comunitários a Bruxelas | Agricultor 2000


Jorge Rita alerta para o risco de devolução a Bruxelas de fundos comunitários, questionando a obsessão do Governo Regional com a política de endividamento zero adotada. O baixo preço de leite pago na região é mais uma preocupação para a produção. Aborda igualmente o atraso no pagamento dos apoios às associações agrícolas.

- Que balanço faz dos primeiros 6 meses, marcado pela pressão dos mercados e da baixa dos preços pagos aos produtores?

Jorge Rita - Houve várias situações em que o sector acaba por ser prejudicado ao nível da produção, com a baixa do preço do litro de leite pago. Terminamos o ano com um bom preço do leite, temos de reconhecer, mas também sabíamos que os mercados eram favoráveis. Foi pena, e vou repetir aquilo que tenho dito, que as subidas foram muito tardias, quando os mercados funcionavam muito favoráveis, mas chegamos a um preço como nunca. Mas também os custos de produção também nunca estiveram tão em alta!

No arrancar do ano, a situação estava mais ou menos controlada, com os custos sempre em alta. Acontece que as descidas anunciadas em maio e junho por algumas industrias representou uma descida média de 6 cêntimos, o que teve um efeito muito negativo.

A acrescentar a essa situação, a descida do preço da carne das vacas, também ajuda a que as pessoas sintam uma desmotivação.

Porque foi pouco tempo que nós tivemos algum desafogo em termos de receita.

Nós sabemos que este é um sector que não enriquece ninguém, isso é histórico, mas infelizmente os produtores continuam com algum desânimo quando as indústrias anunciam essas descidas e anunciam de uma forma demasiado fria.

Outra questão que tem pertinência é que houve um aumento de 3 cêntimos, em novembro, a nível nacional da Lactogal, que tem uma indústria na Terceira que é a Pronicol, mas que na Região não refletiu esse aumento. Nas descidas, a Terceira e a Graciosa acompanharam os 8 cêntimos a menos que anunciaram a nível nacional.

Mas é bom que se diga, para que as pessoas não se esqueçam, é que em novembro, a nível nacional, o Pingo Doce aumentou 5 cêntimos - e esta empresa já recebe mais de 100 milhões litros a nível nacional, diretamente de produtores e da produção própria, mais que algumas fábricas que laboram na região- e não baixou o preço do litro de leite pago aos seus produtores. E está a competir no mesmo mercado.

O diferencial entre o preço do litro de leite pago na Região e o preço do litro de leite pago no continente continua a ser muito elevado e é uma situação que lamentamos todos e que nos deixa com algum desconforto na produção.

Como é que conseguimos passar mensagens positivas num setor que é tão importante na Região Autónoma dos Açores?_É com algum esforço. Temos de ter, nestes momentos difíceis, algum alento e estar próximos dos produtores, sabendo das dificuldades que eles têm.

Até agora, a restante produção agrícola está estabilizada, nomeadamente nas hortícolas e outras produções. A nível comercial percebe-se isso claramente.

Quando se começou a falar que os cabazes de compras estavam muito caros, a primeira descida a nível de preço foi logo aos produtores de leite, mas depois não se refletiu no preço ao consumidor.

E o maior problema, como as pessoas sabem, nem estava muito assente na questão do leite e na carne de vaca, mas noutras áreas.

O que é importante de relevar é que as pessoas habituaram-se, durante anos, a um cabaz de compras em que a parte alimentar, era a mais confortável. O consumidor adquiriu os produtos sempre com extraordinária qualidade a preços baixos. E essa alteração mudou o paradigma e assustou toda a gente.

Na agricultura, os preços a subir, devido aos custos de produção e à própria inflação que tem um reflexo brutal, também para nós que produzimos, pois estamos a comprar tudo mais caro, não só aquilo com que alimentamos os animais, mas também tudo o que utilizamos nas explorações aumentou substancialmente.

São 6 meses difíceis, com as condições climatéricas não muito favoráveis, em que apesar de haver muita produção, há menor qualidade, devido à chuva constante durante um grande período de tempo que influenciou a produção de fenosilagem.

Com a agravante que não sabemos quais as consequências na produção de milho, onde podem existir prejuízos, tal como na área das hortículas e frutícolas, como a banana, melância, batata, vinha. Muitas das produções a descoberto foram afetadas pela depressão Óscar.

- Já há um número para os prejuizos?

J. R. - Não temos um número, mas já identificamos todas as situações e enviamos os processos para a Secretaria Regional da Agricultura e estamos à espera que façam o devido levantamento e se quantifiquem as ajudas que são necessárias às explorações que tiveram prejuízo. Não foram todas, obviamente, mas aquelas que tiveram é de elementar justiça que se faça a devida compensação. Há muito trabalho na região para valorizar as nossas produções. Continuamos a fazer o que é possível nesta matéria, mas é um facto que os custos de produção têm vindo a baixar um pouco, quer ao nível dos fertilizantes, quer ao nível das rações. Mas não compensa aquilo que foi a descida do preço do leite, é impensável!

Esperamos que as indústrias percebam a importância que o setor tem para elas em termos de produção, pois só há boas indústrias se tiverem boa matéria-prima para transformar e vender.

O que nós estranhamos e não podemos aceitar é que os mercados justifiquem sempre tudo, quando sabemos que não temos quantidade nem escala mas temos produção de excelência.

Tem de ser o desígnio da região e o nosso esforço de há muitos anos: não basta ser resistentes e resilientes, que é fundamental, não basta dizermos que temos a agricultura no nosso ADN: acima de tudo tem de haver a excelência. Temos de dar o salto e ele não está a ser devidamente dado. Esperamos que o próprio turismo venha a valorizar aquilo que nós fazemos e produzimos na Região.

A agricultura no seu todo tem muita importância na nossa economia.

- Falemos agora dos apoios prometidos, em que ponto estão?

J. R. - Os compromissos de ajudas estão a ser regularizados. Houve um ligeiro atraso, que foi devidamente identificado, mas aquilo que foi o calendário de pagamentos que coloquei em cima da mesa já foi cumprido no mês de junho, vai ser agora cumprido no mês de julho e os restantes pagamentos até outubro terão de ser cumpridos. Isto no que diz respeito a verbas regionais, pois os apoios comunitários têm o seu calendário fixo e não falha.

Para nós, o que nos preocupa muito, são os quadros comunitários de apoio, nomeadamente na modernização das explorações e na instalação de jovens agricultores. Há uma baixa execução até 2022, a nível Açores que nós não podemos aceitar. Tem de haver um volte-face, rapidamente.

A própria Secretaria Regional da Agricultura sabe e nós comunicamos isso ao presidente do Governo Regional dos Açores, pois o Comité de Acompanhamento do Prorural+, chamou à atenção na última reunião para a grande preocupação que todos sentem com a baixa execução nessas medidas.

Obviamente há várias razões para isso, desde a pandemia, a guerra na Ucrânia, o aumento da inflação e das taxas de juro. Mas não é suficiente para estarmos com uma execução tão baixa como a que temos.

- Entretanto, os apoios às organizações de produtores também estão a faltar..

J. R. - Sem dúvida, é uma preocupação real das organizações de produtores, já que o atraso nos compromissos agendados é uma realidade, atendendo a que em 2022 só foi pago 50% dos valores acordados e em 2023, não houve até ao momento qualquer pagamento.

As Associações agrícolas na região na sua grande maioria de pequena dimensão e necessitam do financiamento acordado com o governo para sobreviveram, aliás, o atual secretário regional da Agricultura foi dirigente associativo e sabe como é difícil gerir uma associação, pelo que, espero que esta situação seja o mais rapidamente regularizada.

- O facto do Governo Regional dos Açores ter assumido um orçamento de endividamento zero é um problema?

J. R. - Todas as pessoas vão querer fazer as contas que quiserem àquilo que é o endividamento zero. Para mim, todos nós somos a favor que não haja mais endividamento. Todos temos consciência que os governos não deviam endividar-se mais. Mas isso é possível? Em momentos de crise? Em que saímos de uma pandemia, depois temos a guerra na Ucrânia, uma brutal subida dos juros e da inflação e a implicação que isso tem nas famílias, não só na habitação, mas no geral. É possível o governo, seja ele qual for, estar agarrado a um endividamento zero numa altura destas?

No meu ponto de vista isso é errado e já disse no ano passado e continuo a achar que é errado. Porque o que vai acontecer é que o governo não se vai endividar - quer dizer, ele vai endividar-se, mas de outra forma - o que vai forçar as empresa e os empresários ao endividamento, pois para esperarmos que o Governo regularize a sua parte, temos de nos endividar.

Ou seja, o Governo não se endivida, mas o resto endivida-se. Não há outra forma.

- Seria importante apresentar um orçamento retificativo?

J. R. - Já devia ter sido feito, pensado e discutido na Assembleia Legislativa Regional. Percebo que haja pessoas que acham que não, mas cada um pensa o que quer. Mas deve ser discutido, com argumentos plausíveis e credíveis. Numa situação de crise como a que estamos a passar, o endividamento zero está a amarrar algum investimento na economia dos Açores, que depois pode ter um reflexo muito negativo. E como estamos a dois anos de terminar um quadro comunitário de apoio, se a Região não tiver disponibilidade, daquilo que é a sua comparticipação, para os projetos de investimento, num futuro próximo pode perder as verbas e colocar em causa o desenvolvimento sustentável da nossa região. E não é isso que nós queremos nem defendemos. Por isso sou defensor que o endividamento zero não pode ser uma obsessão na Região Autónoma dos Açores.

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