As indústrias estão a levar os produtores para o abismo | Agricultor 2000


O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita, analisa o setor leiteiro, onde o preço pago aos produtores é sempre uma preocupação. Alerta para a necessidade de diversificação dos produtos lácteos para fazer face às novas tendências dos mercados.

Faz ainda um balanço ao setor da carne nos Açores

- O preço de leite nos Açores não consegue convergir com o Continente e com a Europa…

Jorge Rita - Infelizmente, essa é uma situação que se mantém. Atualmente, em média, um produtor de leite na ilha de São Miguel recebe menos três cêntimos, por litro, em comparação a um produtor no continente. Se a análise for efetuada à média do pagamento do leite na União Europeia a diferença aumenta para sete cêntimos, por litro.

Considero que a indústria está a levar os produtores para o abismo e a tomar decisões que têm tido impacto negativo nas suas próprias contas, e seria necessário que as indústrias fossem geridas com bom senso para não matar a galinha dos ovos de ouro da região.

- Temos assistido a um aumento de consumo de produtos lácteos açorianos, o que acha que falta para assistirmos também ao aumento do preço do leite dos Açores?

J. R. - Na nossa região, tem havido alguns entraves. Apesar das indústrias privadas estarem numa situação favorável económica e financeiramente, lamento é que, isto não beneficie os produtores. O nosso desânimo e desagrado está relacionado com o facto de a indústria dos produtores não conseguir alavancar o preço do leite, enquanto as outras têm condições para subir o preço e não pagam mais aos produtores.

- No que diz respeito ao trabalho que tem sido realizado pelas indústrias nos Açores, acredita que há algum caso a destacar?

J. R. - Destaco o sinal positivo da Prolacto que está à procura de leite, valorizando mais a qualidade e que aumentou ligeiramente o preço do leite aos produtores. Quanto às restantes, a lei da oferta e da procura não está a funcionar como gostaríamos, já que existem indústrias que embora precisem de leite, deixam sair os seus produtores porque existem outras indústrias com excedentes que lhes fornecem o leite, desvirtuando o mercado.

- E quanto à posição tomada pelo Governo Regional, face a esta sucessão de acontecimentos e descontentamento por parte dos produtores, o que acha que é preciso mudar?

J. R. - Para nós, infelizmente, o leite dos Açores ser o mais mal pago da Europa, já é usual. A produção pede um aumento do preço do leite e a indústria sempre na mesma lengalenga que não consegue valorizar e vender. A meu ver, acredito que para mediar os interesses distintos dos produtores e indústria, é necessária uma intervenção clara do Governo Regional. Por um lado, quando o nosso Governo está com os produtores, umas vezes diz que não vende nem compra leite, outras vezes diz que a produção recebe pouco. Por outro lado, quando está ao lado da indústria diz que a mesma faz um esforço tremendo para valorizar o leite, ou seja, essa falta de tomada de posição, origina um grande desânimo dos produtores que esperam uma intervenção clara do governo para minimizar os impactos da crise do leite.  

- Nas novas tendências do mercado de lacticínios, o consumo de leite UHT está a decrescer?

J. R. - Sem dúvida, a indústria da Região não pode continuar com a tentação de orientar a sua produção para o leite UHT, porque o seu consumo tem vindo a decrescer, por isso, temos de aumentar a produção de queijos diferenciados, onde existe um aumento do consumo e procurar alternativas ao queijo bola e flamengo, que não trazem as mais valias que todos pretendemos. A importação de queijos em Portugal continua a ser significativa e tem grande importância na balança comercial, pelo que, temos mercado no país para colocar produtos lácteos Açorianos inovadores e diferenciados. Temos de ir ao encontro das novas pretensões e dos novos hábitos dos consumidores e a indústria já está a mudar alguns dos seus procedimentos, mas precisa de ir mais longe.

No fundo, os consumidores obrigam a indústria a criar produtos inovadores.

Houve muitas pessoas que colocaram a cabeça na areia e entenderam que aquilo que vínhamos a alertar ao longo dos anos nunca chegaria aos Açores. As mudanças agora são bem visíveis. Agora quem sofre na pele a crise do setor leiteiro são os produtores.

- Existe na região trabalho na diversificação dos produtos lácteos?

J. R. - Existem queijarias com sucesso com produtos de excelência que foram feitas com base em trabalhos da nossa universidade. Questiono-me se as nossas indústrias, muito bem equipadas e financiadas pelos fundos comunitários, não tiveram a mesma disponibilidade para perceber que o mundo estava a mudar no consumo de produtos lácteos, já que os próprios produtores sentiram os efeitos das novas exigências dos consumidores, sendo obrigados a promoverem melhorias constantes nas suas explorações, nomeadamente ao nível do bem estar animal e da proteção do ambiente, contribuindo desta forma, para a sustentabilidade de toda a região.

- Considera que Região deve reforçar a aposta na promoção externa?

J. R. - Sim, julgo que o grande erro da Região é fazer campanhas de forma esporádica. Parece que queremos fazer campanhas de promoção de quatro em quatro anos. As campanhas de promoção devem ser efetuadas de forma consistente e persistente porque só assim podemos comunicar com os consumidores. Existem produtos de excelência na Região e devem ser efetuadas campanhas para que estes sejam promovidos. Por exemplo, a SDEA faz campanhas para promover a exportação, mas é preciso campanhas para chegar diretamente à casa dos consumidores. Estas campanhas custam dinheiro, mas precisam de ser consideradas um investimento e têm de ser bem feitas. Não se podem fazer campanhas apenas por um compromisso político e depois a promoção acaba por cair no esquecimento.

- Como está o setor da carne na região?

J. R. - Embora exista um crescimento deste setor nos Açores nos últimos cinco anos, é necessário continuar a investir para prevenir riscos externos relacionados com alterações no mercado europeu, que podem afetar os criadores de bovinos nos Açores, já que a nossa carne não tem o mercado consolidado.

Tenho receio que um dia exista um problema de excedentes de carne em algum país da Europa e também com o impacto do Mercosul. É bom não esquecermos que mais carne proveniente da América do Sul na Europa vai provocar mais dificuldades para vender a nossa carne.

Apesar do momento positivo que o setor atravessa, é preciso continuar a promover a valorização da carne dos Açores, através da formação, modo de produção, transformação, embalagem e venda.

A tendência será o setor da carne continuar a crescer ao longo dos próximos anos. É que está em curso um processo de reconversão de produtores de leite para criadores de animais de carne.

A reconversão pode ser importante em algumas ilhas, mas primeiro será necessário concluir o processo das reformas antecipadas no setor do leite, e só após a conclusão deste processo, que vai garantir uma saída digna para os produtores de leite, se irá analisar quem são os produtores de leite interessados na reconversão para a carne.

Atualmente os produtores de leite estão muito desanimados, e quem mudar para a carne não vai voltar a produzir leite, devido à sobrecarga de trabalho e baixos rendimentos.

Iremos continuar a defender os agricultores e procurar encontrar soluções que garantam rendimentos dignos para o setor agrícola.

Os agricultores gostam de trabalhar e adoram aquilo que fazem. Não queremos que os agricultores contribuam para uma sociedade de ócio, porque para isso já temos muitas pessoas.

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