O preço do leite pago aos produtores tem de aumentar | Agricultor 2000


O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita, analisa a atual situação da fileira do leite e afirma que o rendimento dos produtores tem de ser melhor. Aborda ainda as eleições realizadas recentemente para a Assembleia da República

- A fileira do leite continua a praticar preços pagos à produção abaixo das expectativas dos produtores. Acha que existem condições para alterar esta situação, naquele que é o principal motor da economia regional?

Jorge Rita - Sem dúvida que sim. Os produtores de leite não têm o rendimento que deveriam ter, e lamentavelmente, as baixas sistemáticas praticadas pelas indústrias no passado (que não foram compensadas) têm consequências graves nas explorações, e resultam duma política errada que tem sido seguida, onde existem indústrias que não têm sido capazes de aproveitar devidamente a capacidade instalada, já que produzem essencialmente leite UHT e leite em pó, que são produtos desvalorizados nos mercados, não sendo concebível que somente cerca de 20% da nossa produção, seja transformada em produtos de maior valor acrescentado.

Mesmo sabendo que o setor leiteiro continua a ter um papel insubstituível na economia regional, desde o desmantelamento das quotas leiteiras que teve lugar em 2015, e que foi posterior ao embargo russo aos produtos agrícolas europeus, era previsível, que os mercados sofressem vários ajustamentos, tal como fomos sempre alertando, e que aconteceu nos mercados europeus. Houve inércia da indústria que não se preparou convenientemente.

Assim, sempre entendemos que para além da modernização das indústrias que era necessária, tornava-se fundamental trabalhar na procura de novos mercados e na valorização dos produtos lácteos regionais elaborados numa matéria prima, como o leite, que é de excelência e deveria ser aproveitada, de modo a potenciar todas as suas características únicas e particulares.

- Entende que existem razões objetivas para as indústrias aumentarem o preço de leite?

J. R. - Esse aumento já se deveria ter verificado, já que os mercados estão estáveis e não existem grandes stocks, o que é um sinal que os produtos lácteos estão se a vender.

O preço de leite pago na região não pode continuar a ser o mais baixo da Europa, é uma afronta a todos os produtores de leite Açorianos, que produzem com empenho, mas que não são devidamente recompensados pelas indústrias.

As indústrias têm de ser proativas e aumentar o preço de leite pago aos produtores, já que esta é a atitude certa e justa face à situação existente nos mercados lácteos.

- Como inverter esta situação?

J. R. - Todos temos de fazer mais e melhor, mas a produção aumentou exponencialmente a qualidade do leite, tal como é devidamente reconhecido por todos os agentes da fileira e que é facilmente comprovado pela evolução dos diferentes parâmetros que caracterizam o leite entregue nas indústrias.

O governo não se pode alhear desta situação e tem de tomar medidas que impeçam a diminuição de rendimento dos produtores, pelo que, deve criar regras que obrigue as indústrias a aproveitar eficazmente o investimento público canalizado para a transformação, e deve ser capaz de encontrar soluções que ajudem os agricultores e não sejam meras medidas conjunturais que só por si, não resolvem o problema da fileira.

Não nos podemos esquecer que existe muito investimento da parte do Governo Regional nas indústrias regionais, bem como comparticipações em feiras nacionais e internacionais dos nossos produtos, por isso, o Governo Regional tem de intervir a favor da produção, e não basta dizer que a produção tem razão.

Temos de procurar os mercados de forma cirúrgica que valorizem os nossos produtos, porque os tradicionais estão saturados e não vamos conseguir melhorar o valor acrescentado.

Devemos procurar novos mercados e sermos mais arrojados na venda dos nossos produtos. Nós temos uma qualidade diferenciada que os consumidores procuram.

A Região não deve ter o objetivo de produzir muito mais na área da agricultura, mas também não deve ter a ambição de aumentar muito mais o turismo. Precisamos é de produzir com qualidade e encontrar turistas que valorizem a nossa identidade e a qualidade dos nossos produtos e sejam os primeiros promotores dos nossos produtos quando regressarem ao seu local de residência. Nesta área, ainda existe muito por fazer.

- Decorreram no passado dia 6 de outubro as eleições legislativas reginais. Qual a sua opinião face aos resultados?

J. R. - Os resultados eleitorais foram os esperados, havendo condições para que surja uma nova geringonça em função da correlação de forças existente, diferente da anterior legislatura. No entanto, o Governo socialista deverá tomar posse e exercer as suas funções, provavelmente, através do estabelecimento de acordos com partidos de esquerda, conforme as necessidades.

No caso dos deputados eleitos pelos Açores, devem defender intransigentemente os interesses regionais, pelo que devem trabalhar para que exista uma discriminação positiva na região em várias áreas, nomeadamente, na Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Esta situação decorre de sermos uma região ultraperiférica onde existem dificuldades estruturais que têm se de ser colmatadas, para que os Açorianos possam ter condições semelhantes aos restantes portugueses.

Nós temos muitos condicionantes que resultam de sermos um arquipélago constituído por nove ilhas, dispersas no meio do Atlântico, afastadas dos grandes centros, e sujeita a condições edafo-climáticas muito difíceis, como aconteceu recentemente, com a passagem do furacão Lorenzo. Estas dificuldades têm de ser reconhecidas, devendo ser criadas medidas especificas para os Açores em articulação com o Governo dos Açores.

Há muitos anos que não existem ministros do Governo da República originários dos Açores, e estava na altura de voltar a acontecer uma situação destas, nomeadamente, em áreas económicas, o que seria uma mostra de força da região no todo nacional.

No que se refere ao setor agrícola, este deve ser defendido duma forma convicta porque o setor agropecuário é fundamental na coesão económica das ilhas, por isso, os deputados devem empenhar-se, sem qualquer tipo de reservas, face aos partidos a nível nacional, defendendo os interesses dos Açores, para os quais foram eleitos.

Por exemplo, no caso das alterações climáticas que é um tema atual, a produção de leite e carne na região deve constituir um modelo, já que o nosso maneio é diferente de todos os outros que existem nos diferentes países da Europa, atendendo à harmonia extraordinária que se verifica entre animais e meio ambiente. Temos de ter a capacidade e o engenho para podermos capitalizar a imagem dos Açores, que é única e singular, e que é feita principalmente pelos agricultores.