Fábrica de Rações Santana
A Nutrição ao Serviço da Lavoura
Presidente da Associação Agrícola de São Miguel e da Federação Agrícola dos Açores faz um balanço à atual e futura situação do setor agrícola. A fileira do leite continua a ser uma preocupação. Aborda a importância dos fundos comunitários. Aguarda com expectativa as políticas a adotar pelos novos governos dos Açores e da República
- Como analisa o estado atual do setor agrícola?
Jorge Rita - O setor agrícola passa por um período difícil e que exige soluções para os problemas que afetam os agricultores. O contexto nacional e internacional não é fácil, seja pelas variações existentes na inflação, nas taxas de juro ou do preço dos combustíveis e também, pela guerra existente na Ucrânia ou o conflito no médio oriente. Estas situações têm levado ao aumento dos custos de produção nos últimos anos, mas que nalguns casos, como as rações, os adubos ou o gasóleo agrícola, já se tenham registado algumas descidas. É evidente que a postura imoral de algumas indústrias de baixar o preço de leite aos produtores contribui duma forma exponencial para este mau estar.
Por outro lado, as exigências à atividade agrícola criadas pela União Europeia são cada vez maiores e contribuem para o estrangulamento de muitas explorações em toda a Europa. O ambientalismo, por vezes radical, existente em Bruxelas é um dos grandes responsáveis por esta situação e pela primeira vez, estamos a perceber que as entidades europeias estão a recuar nalgumas medidas que têm vindo a ser implementadas e que têm impacto muito negativo no mundo rural e que acabam por pôr em causa a soberania alimentar europeia.
Face a esta realidade, temos desenvolvido um trabalho junto do governo regional de encontrar medidas capazes de corresponder às expectativas dos agricultores. Algumas delas foram reafirmadas pelo Presidente do Governo, como o adiantamento do prémio aos produtos lácteos, o apoio direto aos jovens agricultores na diminuição dos pagamentos à Segurança Social, apoios a todos os agricultores referentes ao aumento das taxas de juro, a manutenção da compra de sementes de milho ou de sorgo, a aplicação de reformas antecipadas, a manutenção das ajudas POSEI sem rateios, a continuação da reestruturação do setor leiteiro através da reconversão da produção leiteira em produção de carne e dos apoios à redução voluntária da produção de leite, ou o pagamento da ajuda aos detentores de bovinos para abate e sofreram os efeitos negativos da covid-19 sobre os preços.
- Tem dito que, em muitas explorações, os rendimentos do leite já não são suficientes para suportar os custos de produção. É verdade que há lavradores em São Miguel que pagam para ter vacas de leite? A haver, estes lavradores têm alternativas…
J.R. - Tem sido um problema que temos vindo a enfrentar nos últimos anos e que nos tem preocupado muito e para o qual temos procurado soluções.
A indústria continua a querer leite de qualidade mas a preço barato e isso tem levado ao estrangulamento de muitas explorações, por isso, fomos apologistas da várias medidas que contribuem para a diminuição da produção de leite na região, como a reconversão de explorações de leite para carne e a redução voluntária da produção de leite, que tem sido um instrumento fundamental na defesa dos produtores de leite e que irá ser reforçada este ano, já que, com os comportamentos de algumas das indústrias regionais, só assim, poderemos defender devidamente os rendimentos dos agricultores.
A redução voluntária da produção de leite é uma arma que temos para nos defender de quem não consegue respeitar o árduo trabalho diário dos produtores que tudo têm feito para corresponder às exigências que são feitas. Pena é que alguma indústria, embora possua fábricas modernizadas, não consegue valorizar os seus produtos e com isso, assegurar à lavoura rendimentos dignos.
- A viabilização das explorações agrícolas não passa por uma melhor gestão, por exemplo, em termos de redução dos custos de produção?
J.R. - Passa também por aí, mas esse não é o cerne da questão. O principal problema é sempre o preço de leite praticado, embora a Associação Agrícola de São Miguel não descure a problemática dos custos de produção, desenvolvendo, por isso, um trabalho consistente junto dos seus associados e que tem sido intensificado duma forma bem visível nos últimos anos. Não podemos esquecer o trabalho que fazemos na área da extensão rural, suportado por vários técnicos, onde se destacam os aconselhamentos sobre sementeiras, nutrição vegetal, nutrição animal, boas práticas agrícolas e ambientais e apoio a todas as áreas comerciais. Temos ainda ao dispor dos associados, médicos veterinários, ou instrumentos como o contraste leiteiro, o que tem permitido melhorar cada vez mais o leite entregue nas fábricas, tal como se demonstra nos dados oficiais publicados.
- A agricultura continua a ter futuro na região?
J.R. - Sem dúvida que sim, mas temos sempre de trabalhar em prol de um setor que é extremamente importante na Região e da qualidade do produto em si. Para que isso aconteça é preciso que a produção continue a ter as condições exigíveis para produzir com qualidade. Estamos a falar em todos os setores de atividade na área da agricultura, desde o leite à carne, passando pela diversificação agrícola, onde estão incluídas as outras produções. Acho que temos exemplos extraordinários da valorização dos nossos produtos. O que falta, ao fim e ao cabo, é o trabalho que tem de ser feito para o futuro: a valorização do nosso produto. A nível da produção há sempre muito que se pode fazer, obviamente que existe sempre um caminho a percorrer com o objetivo traçado pela produção que é produzir leite, carne e outras produções com qualidade, associada à nossa Marca Açores, que é excecional, que toda a gente conhece e que é uma marca mágica. Todos nós já percebemos que a nossa produção deve estar associada ao nosso ambiente e à sustentabilidade que temos de ter, a nível económico, social, territorial e ambiental (fixação de população nos meios rurais). São chavões que se utilizam muito. Os Açores são das regiões do país e da União Europeia que mais se aproximam daquilo que são as diretrizes da própria União, sabendo que este é um setor muito importante na nossa economia, não só por aquilo que representa em termos económicos, mas também sociais. Precisamos que haja um trabalho sempre em conjunto da Região, do país e da Europa em prol deste setor de atividade tão importante na defesa da nossa economia. Tudo o que se investe na agricultura na Região tem sempre retorno económico e social, tem sempre repercussões positivas e é esse trabalho que tem que continuar a ser feito.
- O que é que a agricultura precisa fazer mais para se modernizar?
J.R. - A agricultura nos Açores desenvolveu-se e muito comparativamente há 20 anos atrás, mas obviamente não está tudo feito, nem nunca estará tudo feito. O leite é preponderante e dominante, mas também o crescimento da carne e das outras produções agrícolas são extremamente importantes. Para isso, de forma objetiva, tem que haver da parte dos governos regionais, da parte da UE e mesmo a nível nacional um entendimento que este setor na Região é vital na nossa economia por aquilo que representa na balança comercial. Porque nós somos exportadores de quase tudo o que fazemos, pelas questões ambientais que ficam salvaguardadas, pela agricultura sustentável, como tem sido demonstrado ao longo dos anos, e por aquilo que potenciamos claramente noutros setores de atividade como o turismo. Não há turismo na Região se não tivermos uma agricultura sustentável. O que potencia esse grande crescimento no turismo é termos uma agricultura forte e dinâmica, não esquecendo que somos os verdadeiros jardineiros desta magnifica paisagem. Para isso é preciso continuar a investir nesse setor. Concretamente, o que é que nos falha e que andamos sempre a reclamar que tem a ver com o rendimento dos agricultores? Falta claramente a valorização verdadeira dos nossos produtos. Continuamos no setor leiteiro ainda a vender produtos muito baratos, muito assentes em marcas brancas. Precisamos de valorizar também muito a nossa carne e isso também se faz com a introdução de bom turismo nos Açores. Temos bons exemplos de muitas marcas que temos criadas nos Açores, desde o chá a outras produções como o ananás, os vinhos, especialmente do Pico e não só, os produtos lácteos, a nossa carne, há aqui toda uma valorização que já começa a ser notória, mas esse passo ainda tem que ser dado duma forma mais constante. O que é que é preciso para que isso possa continuar a acontecer? Temos que internacionalizar os Açores em termos dos nossos produtos, sabendo que não temos dimensão, nem vamos ter escala. Temos de produzir com qualidade associada à nossa magnifica imagem. A questão é: quais são os mercados absorventes da excelência dos nossos produtos, e esses é que têm de ser trabalhados. Para isso tem que haver uma estratégia regional no sentido de articular, integrar e promover muito bem os produtos dos Açores. Não podemos continuar a ter os nossos produtores a ter dos rendimentos mais baixos da Europa. Não é dessa forma que a Região dará o salto. O sucesso da região estará sempre associado à valorização dos nossos produtos, com a introdução de cada vez mais produtos diferenciados e de mais valor acrescentado, nomeadamente na área do leite (novos queijos por exemplo), e isso, implica também a elaboração de um verdadeiro plano de marketing.
- Tem também defendido uma maior celeridade na aprovação dos projetos dos jovens agricultores e alertado para a necessidade de o Governo dos Açores efetuar os pagamentos a tempo. Aliás, tem mesmo defendido que se defina os 'timings' certos para os pagamentos das verbas regionais aos agricultores. Qual o ponto da situação desta reivindicação?
J.R. - A área dos projetos de investimento tem passado por um período complexo e que não tem decorrido da melhor forma. Não temos conhecimento na integra do novo PEPAC - Açores e isso, irá gerar ineficiências na sua aplicação, e com consequências negativas na gestão das explorações.
Estamos ainda em tempo de melhorar algumas dos pressupostos do PEPAC-Açores e contamos que o novo governo possa assumir esse compromisso, de forma a termos um quadro comunitário de apoio que seja mais de acordo com as necessidades do setor e flexível.
Relativamente ao calendário indicativo regional de pagamentos aos agricultores sempre o defendemos por ir contribuir para uma melhor programação da gestão das explorações.
- Quais as expectativas com o novo Governo Regional dos Açores?
J.R. - Temos muitas expectativas com o novo Governo Regional dos Açores. Temos tido uma relação positiva com o presidente do Governo, o que nos tem permitido implementar medidas de grande impacto nas explorações agrícolas, como as que já descrevi atrás. No entanto, continuam a existir vários problemas na agricultura que precisam de ser ultrapassados, e têm de ser reunidas condições para que se promovam determinadas medidas que passam pela necessidade de um controlo eficaz e integrado das principais pragas, o alargamento da formação profissional junto dos agricultores e dos mais jovens, a melhoria da rede regional de abate, o apoio às organizações de produtores ou o apoio aos jovens agricultores, são sempre cruciais na sustentabilidade do setor.
Necessitamos também de um claro reforço do investimento em infraestruturas agrícolas - caminhos de penetração, abastecimento de água e luz às explorações, atendendo à degradação evidente de muitos caminhos agrícolas nalgumas ilhas.
Aguardamos que a criação do observatório agroalimentar dos Açores possa contribuir para a repartição justa dos rendimentos de cada um dos intervenientes da cadeia alimentar, de modo a que os produtores deixem de ser o parente pobre da fileira.
Também, a nova legislação no âmbito do benefício fiscal do gasóleo agrícola deve ser revista, e ir de novo ao parlamento regional, aguardando-se que os partidos políticos sejam responsáveis e aprovem uma medida muito importante para o setor agrícola.
Esperamos que a equipa da secretaria da agricultura, que incluirá alguns novos diretores regionais seja capaz de corresponder às expectativas dos agricultores, porque estamos a atravessar um período complicado a nível regional, nacional e internacional, onde as incertezas são muitas e variadas, por isso, precisamos de dirigentes que encarem a agricultura como um verdadeiro setor estratégico da economia regional.
- Entretanto, e decorrentes das eleições a nível nacional, temos um novo ministro da agricultura…
J.R. - É verdade, o novo ministro, José Manuel Fernandes, foi deputado ao parlamento europeu durante muitos anos e por isso, conhece profundamente as grandes linhas da Política Agrícola Comum e as suas consequências na agricultura do país, e a importância que a mesma tem nos Açores, que por sermos uma região ultraperiférica, que tem programas financeiros específicos, como o Posei. Aguardamos que este conhecimento seja uma valia e que seja capaz de defender os Açores na União Europeia com rigor e convicção. Também, esperamos que nas suas políticas nacionais não deixe de fora os Agricultores Açorianos, tal como aconteceu no anterior governo. Não podemos aceitar a discriminação que existiu na atribuição de ajudas nacionais ao setor agrícola regional. Foi uma afronta que foi feita às regiões autónomas e que urge corrigir.
Da nossa parte, o ministro da agricultura pode contar com o nosso apoio e colaboração na defesa intransigente dos interesses da Agricultura dos Açores.