“Tem de haver boa articulação entre Governo e Autarquias para que o investimento na água seja bem pensado e com bons resultados práticos” | Agricultor 2000


Problema da seca tem sido dramático para a produção agro-pecuária e outras culturas na Região e ainda não foi feito um balanço final sobre os reais prejuízos que daí podem advir. O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita, acredita que as indústrias poderiam ter aumentado o preço do leite, para compensar os prejuízos que os agricultores estão a ter nas suas explorações.

Também o abastecimento de água á lavoura é uma preocupação já que apesar de haver água disponível em São Miguel, esta não está a ser devidamente retida. Jorge Rita entende que em 2019 o Governo Regional terá de investir cirurgicamente na questão da água, em conjunto com as Câmaras Municipais

 

- Já se pode fazer um balanço desta seca que tem vindo a afetar a Região?

Jorge Rita - Ainda não se sabe ao certo a avaliação final que está a ser feita sobre a cultura do milho forrageiro e restantes culturas. Não sabemos igualmente, a verba que o Governo tem para dar e muito menos sabemos quando é que o Governo Regional irá pagar. Se é para transitar para o próximo ano, o prejuízo ainda é maior para os produtores que ainda ficam sem dinheiro e à espera das ajudas. A situação é demasiado preocupante.

Em relação ao milho forrageiro, há uma perda acentuada influenciada por muitas variáveis, a precipitação não foi suficiente nos meses de abril e maio quando apareceu já foi tarde, e o vento que entretanto surgiu, também acabou por prejudicar produções de milhos nalgumas ilhas.

É bom não esquecer que grande parte das pastagens mais baixas ficaram totalmente destruídas porque secaram completamente e têm que ser ressemeadas novamente, com um custo mais elevado até porque também se produziu menos rolos de erva e muito menos sementes, há escassez e o preço aumentou, o que representa um custo adicional.

A situação do abastecimento de água está longe da desejada, especialmente em São Miguel, que apesar de ser a ilha com mais água disponível, tem menos armazenagem proporcionalmente e isso reflete-se na sua qualidade e na sua disponibilidade aos produtores de leite e também noutras produções. A maioria das explorações hortícolas estão ligadas à rede pública, mas nas explorações leiteiras as pastagens por se situarem em zonas mais altas, a rede pública é difícil lá chegar, por isso, são poucas a que têm acesso à água da rede.

Com o IROA, houve um acordo com a Associação Agrícola de São Miguel, bombeiros e algumas Câmaras Municipais para reforçar o abastecimento de água nalgumas zonas, o que embora não tenha resolvido todos os problemas, atenuou substancialmente algumas das dificuldades existentes.

Os custos de produção em julho, agosto e setembro são elevadíssimos, derivado à escassez de água e à implicação que isso tem no transporte, consumo de combustível ou de mão-de-obra. Grande parte da água tem de se ir buscar porque não está a ser distribuída nas explorações mas em lugares estratégicos para o abastecimento. É uma questão que tem de ser analisada de forma diferente porque a seca demonstrou a fragilidade do aproveitamento dos recursos naturais. 

No momento também há um custo adicional na compra de alimento. Os produtores estão a gastar mais, embora o apoio do Governo Regional exista e é público. Mas as organizações têm de investir na compra desses alimentos, sabendo que a lavoura poderá ter algumas dificuldades em fazer esses pagamentos, porque é uma compra extra e não se sabe ao certo quando é que o Governo Regional irá fazer os pagamentos a estas organizações que estão a fazer a importação ou às indústrias que estão a fazer a fibra.

Para acrescentar, o leite não retoma os aumentos no preço, que é uma situação dramática. Continuo a achar que não houve solidariedade nem sensibilidade por parte de todas as indústrias em relação aos produtores. Podíamos estar numa altura destas e chegar a um acordo para haver um aumento do preço do leite.

- Não houve bom senso?

J. R. - Não há bom senso da parte da indústria. Toda sem excepção. É transversal, mesmo as que estão ligadas à produção nos Açores.

É uma situação que para nós nos assusta pelas atitudes que tem havido em relação a essa matéria. A situação alterou-se substancialmente este ano, com os custos de produção a aumentar e a uma previsão de diminuição da receita nos próximos tempos devido à quantidade de leite produzida.

Deixando claro que no tempo ninguém controla mas as verbas que existem, nos Governos e na Comunidade Europeia, devem nestes períodos de crise ser acionadas. Os governos têm de ter uma atitude proativa embora tenham havido situações positivas da parte do Governo Regional, mas que não serão suficientes, por haverem problemas que não sabemos como irão ser resolvidos.

Recordo que o Ministro do Ambiente, de forma atrevida nos Açores, disse que estava espantado porque é que a Região não se tinha candidatado a ajudas da União Europeia, por via do ambiente, porque a seca é também uma questão ambiental. É uma situação que iremos colocar em cima da mesa ao Senhor Presidente do Governo Regional e ao Secretário da Agricultura para saber se isso é só discurso de ocasião e circunstancial, porque se havia essa possibilidade, a Região ficará muito mal se não aproveitou esses fundos.

- Quanto ao abastecimento da água das explorações, tem-se investido nas baías de retenção e lagoas artificiais, mas tem-se verificado que não chega. O que é preciso ainda fazer?

J. R. - Felizmente a Região, e no caso concreto de São Miguel, tem água mas está mal aproveitada porque está a correr para as ribeiras e depois para o mar.

Quando digo que é preciso fazer barragens, bacias de retenção ou lagoas artificiais, é porque existe necessidade de aproveitar a água existente, para que nos períodos de carência ela esteja disponível, este é um problema estrutural e que não fica resolvido quando começar a chover.

São Miguel tem um défice enorme de água armazenada para as explorações. A Terceira tem 6 vezes mais água retida. Não estou a fazer críticas à Terceira, apenas digo que São Miguel deve ter muito mais bacias de retenção de água para aproveitar água das chuvas e das nascentes, para diminuir a carga sobre a rede pública existente. Temos consciência que os hábitos alimentares e de higiene vão-se alterando, quando há mais população há maior consumo de água, com o turismo as exigências também aumentam, e a Região tem de se precaver para essas situações.

O objetivo da Região, da Associação Agrícola de São Miguel e Federação Agrícola dos Açores, é que o abastecimento de água esteja disponível em todas as explorações.

Sou apologista que todo o agricultor que tiver água na sua exploração a pague, a um preço justo, diferente da consumida domesticamente por não ter a mesma qualidade. A água dentro de uma exploração é uma mais-valia para o agricultor. Hoje, em pleno século XXI nem se devia estar a falar nessa situação. É preciso ressalvar que esta situação já não é um problema nas explorações dos nossos colegas europeus, o que demonstra o nosso atraso. Porque para um setor que desenvolve um produto de excelente qualidade como o leite, isso nem devia existir.

Fiz uma proposta no Conselho Regional da Agricultura, que agora o Governo regional quer dar como sua, para que os agricultores pudessem aproveitar a água nas suas explorações e fossem apoiados com uma majoração que deveria ir até 100%, para que se faça menos pressão sobre a água existente.

A água será um problema do século, o seu aproveitamento e boa utilização têm de ser da responsabilidade de todos.

Não aceitamos que venham dizer que é um disparte uma vaca beber 100 litros de água por dia para satisfazer as suas necessidades e o seu bem estar, quando as pessoas lavam os seus carros com água a correr não só nas suas casas mas também em sítios de abastecimento público para as vacas. A água não é problema só dos agricultores, é de todos nós, e todos temos responsabilidade quanto a uma boa aplicação, sabendo que temos água disponível só que o seu aproveitamento está muito aquém.

- Será necessário mais investimento?

J. R. - No Plano de investimentos do Governo para 2019 e no próximo Quadro Comunitário de Apoio, o investimento na água tem de ser bem pensado e com bons resultados práticos. Um reforço de verbas para o IROA aumentar a sua capacidade de investimento na água faz todo o sentido e é essa a nossa proposta em relação ao plano. Tem também de haver boa articulação entre Câmaras Municipais e o IROA no sentido de trabalharem em conjunto para aproveitar melhor a água. As câmaras têm conhecimento e têm as nascentes identificadas, e o IROA tem a responsabilidade da construção para abastecimento à agricultura.

Esse trabalho em conjunto tem de ser feito, independentemente das cores partidárias. Isso tem prejudicado claramente os agricultores ao longo dos anos. Sabemos que uns são prejudicados porque estão inseridos num grupo que tem uma cor e outros são beneficiados porque estão inseridos num grupo de outra cor partidária. Mas quando é para o pagamento de impostos, todos pagamos de forma igual.

- Quanto ao Plano e Orçamento para 2019, a lavoura pediu um aumento de 33% em relação ao ano passado para agricultura. Este valor também irá abranger os prejuízos causados pela seca?

J. R. - Parcialmente. Pela nossa estimativa, o Governo Regional precisa de um reforço de 8 a 10 milhões de euros. Depois precisa de, no mínimo, mais 10 milhões de euros para aquilo que é uma pré-análise para a questão da seca. Deixando em aberto a possibilidade de até final de outubro se saber o real prejuízo que existe em relação à seca, embora saibamos que não vamos ser ressarcidos de todo o prejuízo.

Estamos a pedir um aumento de 33%, que são 20 milhões, para que todos os compromissos assumidos pelo Governo junto dos agricultores e das organizações sejam satisfeitos, e que não são subsídios. A única situação alterada é a seca, o resto são compromissos e se estes forem adiados sucessivamente, ficam todos enviesados.