Óxido de Cálcio, a Matéria Orgânica e a Vida no Solo | Informações Técnicas


O óxido de cálcio na agricultura já é utilizado à milhares de anos, havendo registo do seu uso no antigo império romano e nas civilizações pré-colombianas na América central e do Sul.

Em Portugal o seu uso generalizou-se após a industrialização no final do sec. XIX e inicio do sec. XX, mas caiu um pouco em desuso na última metade do sec. XX devido a campanhas de utilização do Calcário (Carbonato de Cálcio).

Embora o Óxido de Cálcio seja um produto que permite a mesma correcção da acidez do calcário com menores doses e mais rápido conforme pode ser visto no gráfico 1 existe um certo preconceito na utilização do óxido de cálcio e o seu efeito na matéria orgânica e na fauna microbiana do solo devido a certas utilizações do óxido de cálcio (na chamada cal viva), a qual pode ser usada em concentrações elevadas como desinfectante. Mas este é um preconceito erróneo conforme vamos demonstrar.

Os efeitos que geralmente são atribuídos ao óxido de cálcio na sua aplicação ao solo e que podem ter efeito na matéria orgânica são os seguintes:

1- Temperatura.

2- Gasta a água do solo

(importante em climas secos).

3- Subida rápida do pH.

 

Mas conforme passo a demonstrar estes efeitos, quando o óxido de cálcio é utilizado nas suas doses recomendadas, não têm influência nos teores de matéria orgânica nem na fauna microbiana dos solos.

Temperatura

O efeito exotérmico da reacção do CaO no solo pode ser contabilizado, sabendo-se que 1 Kg de CaO ao reagir com a água liberta 124 Kcalorias. Desta forma, podemos perceber o efeito que esta reacção poderá ter em solos de diferentes texturas. Consideremos dois casos de texturas arenosa e argilosa (de forma a poder abranger o tipo de reacção em diferentes solos). Num solo de textura arenosa, em que se pretende elevar o pH 0,5 unidades numa camada de solo de 20 cm de profundidade, a quantidade de Óxido de cálcio por nós aconselhada é de 500 Kg por hectare. Como o Óxido de cálcio tem 92% de CaO então estamos a aplicar 460 Kg de CaO por hectare, o que equivale a um efeito exotérmico de 57.040 Kcal. Neste exemplo, a libertação de calor que estamos a considerar é toda no mesmo momento como se estivéssemos a dissolver CaO em água mas, no terreno, não é isso que acontece uma vez que a libertação das 57.040 Kcal é feita de uma forma mais gradual. Tendo um solo arenoso uma densidade aparente média de 1,5 (Costa, 1991), num hectare de terreno arenoso e numa profundidade de 20 cm temos 3.000.000 Kg de terra. Sendo 1 Kcal a quantidade de energia necessária para elevar 1 Kg de água 1OC, a libertação de 57.040 Kcal vai provocar em 3.000.000 Kg de terra um aumento de 0,019OC. Num solo de textura argilosa, em que se pretende elevar o pH 0,5 unidades numa camada de solo de 20 cm de profundidade, a quantidade de Óxido de cálcio por nós aconselhada é de 1.000 Kg por hectare. Como o Óxido de cálcio tem 92% de CaO então estamos a aplicar 920 Kg de CaO por hectare, o que equivale a um efeito exotérmico de 114.080 Kcal. Tendo um solo argiloso uma densidade aparente média de 1,25 (Costa, 1991), num hectare de terreno argiloso e numa profundidade de 20 cm temos 2.500.000 Kg de terra. Assim, a libertação de 114.080 Kcal vai provocar o aumento da temperatura do solo em 0,046OC. Tanto num caso como noutro os aumentos de temperatura do solo são insignificantes uma vez que, segundo Costa (1991), num solo de Barro Castanho-Avermelhado, a temperatura do solo pode sofrer variações diárias de 20OC à superfície e de 14º C a 10 cm de profundidade. Para além disso, segundo o mesmo autor, a constante solar é de 2 cal/cm2/min. 17% da radiação é absorvida pela atmosfera e a sua camada superior reflecte 40%. 43% da radiação solar atinge o solo. Parte desta radiação é absorvida e outra parte é reflectida. Considerando que só 22 % da radiação solar é absorvida pelo solo, durante uma hora a absorção de energia por parte deste é de 26,4 cal/cm2 ou seja 2.640.000 Kcal por hectare o que torna insignificante as 114.080 Kcal libertadas pela reacção de 920 Kg de Óxido de cálcio.

Em resumo a aplicação de cerca de 1 ton. por hectare de óxido de cálcio no solo com a tipologia dos solos açorianos têm um efeito insignificante (cerca de 0,03O C) não afectando nem a matéria orgânica nem a vida microbiana.

 

Humidade

A quantidade de água gasta na reacção de óxido de cálcio (CaO) é, segundo a reacção, CaO + H2O           Ca(OH)2, para reagir 56 g de CaO (massa molar desta molécula) de 18 g (massa molar da molécula da água). Assim, e considerando da mesma forma que no ponto anterior o caso de um solo arenoso e de outro argiloso, para fazer reagir 460 Kg de CaO são necessários 147,86 Kg de água e para fazer reagir 920 Kg de CaO são necessários 295,71 Kg de água. Assim, e considerando as mesmas massas de solo do ponto anterior, para um solo de textura arenosa ou argilosa, a quantidade de água consumida corresponde a 0,0049% e a 0,0118% da massa do solo respectivamente. Abaixo de certo limite do teor do solo em água, muito variável de solo para solo, a absorção radicular é tão restrita que o desenvolvimento vegetativo se torna impossível. Pode designar-se por percentagem mínima para crescimento ou coeficiente de emurchecimento (Costa, 1991). Varia desde menos de 1% em solos arenosos até mais de 25% em solos argilosos. A capacidade máxima de retenção de água ou capacidade de campo é o valor máximo de água que o solo pode reter. A diferença entre a capacidade de campo e o coeficiente de emurchecimento é a capacidade para água utilizável. Assim sendo, e se na pior das hipóteses, o solo estiver perto do valor do coeficiente de emurchecimento, o consumo de 0,0049% de água no caso de solos arenosos ou de 0,0118% no caso de solos argilosos, não é significativo em relação aos valores dos coeficientes de emurchecimento de 1% e 25 % respectivamente.

 Para resumir para doses de cerca de 1ton. por hectare de óxido de cálcio os valores de consumo de água para o reagir são tão pequenos que é difícil que seja necessário que a água provenha dos conteúdos moleculares dos microrganismos.

 

pH

O solo é habitado por uma enorme variedade de microorganismos vegetais (microflora do solo) e animais (microfauna do solo) e ainda por organismos animais que vão de dimensões submicroscópicas a dimensões médias ou mesmo relativamente grandes (macrofauna). A acção microbiana do solo depende, entre outros factores, da temperatura, arejamento e condições de humidade, reacção e teor em elementos nutritivos (Costa, 1991). As bactérias são, em geral, bastante exigentes em cálcio e prosperam especialmente em solos de reacção levemente ácida a levemente alcalina. A pH baixos a actividade de bactérias nitrificantes e de bactérias celulolíticas é bastante baixa, aumentando exponencialmente quando o valor do pH se aproxima da neutralidade. Por exemplo, a pH 6,2 o número de bactérias nitrificantes por grama de terra é de 1.000 enquanto que a pH 7 é de 55.000 (Wacksman in Clement, 1966) e a pH 5,2 o número de bactérias celulolíticas por grama de terra é de o, a pH 6 de 250.000 e a pH 7 de 25.000.000 (Tepliakova in Clement, 1966). Da microfauna fazem parte os anelídeos dos quais se destaca a minhoca que, quando abunda, contribui muito para incorporar os detritos vegetais que caem sobre o solo, pelo menos até cerca de 15 a 20 cm de profundidade. Além disso, juntamente com os resíduos vegetais e dejectos animais de que se alimentam, ingerem partículas terrosas, e parte das suas glândulas digestivas segrega carbonato de cálcio. Deste modo, os seus dejectos são misturas íntimas de material húmico e material mineral, saturados de cálcio, pelo que estes organismos não se encontram em solos de pH inferior a 4,5, deficientes em cálcio assimilável. Desta forma, quanto mais rápida for a melhoria das condições do solo para próximo das condições óptimas de desenvolvimento, propagação e actividade dos organismos do solo mais depressa se notarão esses benefícios o que é de extrema importância uma vez que a actividade dos organismos é um dos motores da agricultura sustentável.

Deste modo verifica-se que quanto mais rápida é subida do pH quer seja com óxido de cálcio ou carbonato de cálcio melhor são as condições para um povoamento do solo por uma fauna benéfica.

 Em resumo a utilização do óxido de cálcio não tem efeito nos teores de matéria orgânica e de humidade do solo como melhora as condições da actividade biológica desse solo podendo ser usado, como desde à milhares de anos, para obter os melhores resultados na agricultura moderna.

 

Eng. Pedro Castro

Lusical