Como aumentar a sobrevivência das vitelas durante o 1º mês de vida | Informações Técnicas


O primeiro mês de vida das vitelas constitui uma altura de grande vulnerabilidade requerendo por isso cuidados especiais. A mortalidade infantil elevada traduz má qualidade do maneio e cuidados sanitários deficitários.

A mortalidade de vitelas acarreta perdas económicas avultadas. A perda de animais de elevado potencial genético e a dificuldade na reposição dos efetivos, implica manter na exploração animais que em condições normais seriam refugados, por produzirem em quantidade e qualidade inferior à média da exploração.

Assim todos os intervenientes ligados ao sector agrícola têm um papel preponderante na saúde e sobrevivência das vitelas. Este papel começa logo na altura da inseminação artificial ou cobrição, com a escolha de um reprodutor que, para além de manter e acrescentar à futura vaca aquilo que se pretende, deve contribuir para originar partos fáceis ou crias pequenas. Crias grandes e partos difíceis são responsáveis por prejuízos elevados, incluindo morte da cria por asfixia, perda das vacas por acidentes com o parto (morte, paresias, roturas vulvovaginais, vaginites e infertilidade).

 O produtor deve reunir condições para que o parto decorra com normalidade, proporcionando uma alimentação equilibrada no período seco, evitar situações de excesso ou de escassez, de forma que vaca apresente boa condição corporal no momento do parto

Os locais de parto devem ser limpos e confortáveis, quer se tratem de maternidades em explorações estabuladas, ou na pastagem. É conveniente que se estabeleça sempre o contato visual da parturiente com o restante grupo. O stress causado pelo parto, pela separação e ausência de contato visual, prolonga o trabalho de parto, aumentando o risco de mortes dos vitelos por asfixia, aumento de retenções placentárias e baixa imunidade.

No pré-parto a vigilância deve ser regular, feita quer pelo produtor, ou então por meios alternativos (câmaras de filmagem e outros dispositivos eletrónicos ligados ao telemóvel do tratador). O tratador deve assistir ao parto sempre que possível, para garantir a viabilidade do vitelo, a saúde e a atividade reprodutiva futura da vaca, prestando auxílio apenas quando necessário (deixar as forças da natureza atuarem).  Se tiver de o fazer, deve usar luvas, lavar e desinfetar a vulva e zonas adjacentes. Se for necessário exercer alguma tração (manual ou mecânica), esta deve ser feita de forma moderada e quando se aperceber que a situação é complexa, deve recorrer à ajuda do veterinário.

Logo após o nascimento devem ser prestados cuidados imediatos ao recém-nascido. Desde logo avaliar a sua vitalidade, desobstruir as narinas, estimular a respiração (usando uma pregana nas narinas ou então entornar um pouco de água na cabeça), secar o vitelo manualmente usando um saco de sarapilheira, palha ou preferencialmente deixar a mãe lamber o vitelo. Colocar o vitelo num local cómodo com cama seca e limpa, desinfetar o cordão umbilical usando para o efeito betadine ou produtos de utilização específica. O desinfetante deve ser injetado para o interior do cordão umbilical e depois pulverizar as zonas adjacentes. Este procedimento deve repetir-se 3 a 4 dias até o umbigo secar por desidratação. 

De seguida o vitelo deve ser transferido de preferência para um cubículo individual, ou então para pequenos parques limpos e sempre com luz natural. Se forem mantidos na pastagem, os locais devem estar os mais secos e limpos quanto possível. De seguida é fornecido a primeira toma de colostro (encolostramento). O encolostramentro é um dos momentos mais importantes da vida do vitelo condicionando todo o seu desempenho produtivo futuro. É através do encolostramento que a mãe transmite de forma passiva uma parte da sua imunidade.

O vitelo só começa a produzir anticorpos a partir dos 15 dias de vida e só atinge a imunocompetência por volta dos 3 ou 4 meses. O colostro é rico em imunoglobulinas e são estas que vão garantir a imunidade do vitelo. Contudo a parede intestinal só está permeável à passagem destas imunoglobulinas durante as primeiras 24 horas. À medida que o tempo vai passando, esta permeabilidade vai reduzido sendo de 50% às 6 horas, e de 0% às 24 horas após o nascimento. Sendo assim a primeira toma de colostro deve acontecer o mais rápido possível, de preferência dentro das primeiras 4 horas. O colostro é rico em imunoglobulinas (Igs). A IgG, a que está em maior concentração no colostro passa diretamente do sangue da mãe para o colostro, sendo responsável no vitelo pela imunidade sistémica, enquanto as IgA e IgM são produzidas no próprio úbere e são responsáveis pela imunidade local (intestino).

Para que a imunidade seja transmitida é necessário que o colostro tenha qualidade. A qualidade do colostro depende da sua concentração em imunoglobulinas (deve ser igual ou superior a 50 gr/litro), da higiene, da carga bacteriana (evitar colostros conspurcados com sangue, fezes e estrume, porque como a parede intestinal está permeável às imunoglobulinas também está permeável a bactérias).

A avaliação da qualidade do colostro, pode ser feita quer através da medição da sua densidade ou concentração em imunoglobulinas. A densidade é determinada usando o colostrômetro. Quanto maior a densidade, maior a concentração de Igs e melhor é a sua qualidade. Pretende-se colostro com densidade superior a 1050. A concentração de Igs é determinada usando para o efeito o refratómetro. Este mede a concentração de Igs.

Contudo, vacas com problemas de imunidade, mal alimentadas e com doenças crónicas não produzem colostro de qualidade, pelo que é necessário procurar alternativas. Sugere-se que o lavrador aproveite o colostro que sobra das vacas que o produzem com qualidade, guardando-o para depois fornecer aquelas vitelas cujas mães não o produzem com qualidade, ou que simplesmente não o produziram. Podem ser criados bancos de colostro.

Neste caso o colostro pode ser refrigerado (validade de 7 dias) ou congelado (validade de 6 meses). A congelação deve ser feita em doses individuais, em embalagens com 1.5 a 2 litros, que devem ser espalmadas para reduzir o diâmetro da embalagem facilitando a descongelação. A descongelação deve ser feita em banho-maria ou em água morna à temperatura de 35-40º. As embalagens devem ser rotuladas com o nome ou número da vaca, data da colheita e avaliação da qualidade do colostro.

Deve ser tido em conta que o melhor colostro é o da primeira ordenha, que deve ser feita a fundo com todas as regras de higiene, de forma a evitar a sua contaminação.

O colostro pode ser administrado de diversas formas:

- Através da mamada que constitui o método mais natural, mas não o mais seguro, pois não é possível a avaliação da qualidade do colostro. Há o risco de as vacas estarem infetadas com mamites ou de os tetos estarem sujos facilitando a transmissão de infeções, como acontece com a Paratuberculose.

- Através do balde, mantendo cuidados na higiene do balde e das mãos do tratador quando as usa para facilitar ou ensinar o vitelo a beber.

- Através da mamadeira ou biberon.

- Através da entubação esofágica, que constitui um método seguro e eficaz, que garante que o animal recebe o colostro e este foi colocado no local apropriado. É um método ótimo para vitelos que apresentam pouca força para sugar e falta de apetite.

A alimentação dos vitelos contempla três fases:

Fase do colostro:

- 1º Dia: a primeira toma deve acontecer nas primeiras 4 horas de vida e o vitelo deve receber entre 3 a 4 litros de colostro (cerca de 10% do peso vivo), dependente da concentração de Igs (devem ser fornecidas no mínimo 210 gr de Igs). Com a segunda toma devem perfazer-se os 6 litros (cerca de 15% do peso vivo), nas primeiras 24 horas.

- Ao 2º e 3º dia: administrar 3 litros por toma, em duas tomas, perfazendo 6 litros/dia.

Fase de transição (quando se passa a administrar leite de vaca ou leite de substituição):

- Do 4º ao 7º dia: Administrar 3 litros por toma, em duas tomas, perfazendo 6 litros/dia. Também se deve disponibilizar 2 litros de água morna.

Fase de aleitamento e de ingestão de alimentos secos:

A partir da 2ª semana, deve ser fornecida água à descrição, concentrado especial para vitelos (starter) ou mistura de cereais (granulado ou pallets), palha picada ou feno de boa qualidade e com boa palatibilidade. O uso da palha é controverso, uma vez que este é um produto sem valor nutritivo. Contudo, a palha obriga os vitelos a mascarem, estimulando a produção de saliva que é rica em bicarbonato de sódio, que exerce efeito tampão facilitando a digestão. Para além disto, a palha exerce um efeito de escova sobre as papilas ruminais, aumentando a superfície de contato com o concentrado, favorecendo a absorção e o desenvolvimento ruminal.

A administração do leite pode ser feita de diversas formas:

Administração controlada:

- Em balde simples (individual) com ou sem tetina.  Com este método o leite é fornecido duas vezes ao dia. Trata-se um método simples com boa monitorização, mas exige mais trabalho para lavar os materiais duas vezes ao dia.  As principais desvantagens são o arrefecimento do leite (vitelos tomam a temperaturas diferentes). Se o balde não tem tetina, o leite pode ser ingerido muito rapidamente passando diretamente para o rúmen (originado indigestões), ou então, como os vitelos não sugam, também não produzem saliva e o efeito tampão não é exercido. Para satisfazer a necessidade de sugar, os vitelos poderão recorrer a tetas das outras vitelas "cross-suckling" originando mastites muito precoces.

- Baldes coletivos com várias tetinas. Neste caso o grupo de vitelos deve ser uniforme, evitando animais com tamanhos e idades muito diferentes para prevenir situações de dominância.

Alimentadores automáticos: com este método cada vitelo decide quando deve alimentar-se, tem um dispositivo ao pescoço que o reconhece através de um sistema eletrónico e quando se atinge o volume preconizado o sistema impede a toma de mais leite. Tem a vantagem de o leite estar sempre fresco e à temperatura ideal, promovendo um ótimo desenvolvimento do aparelho digestivo. Contudo requer investimento e uma boa manutenção e calibragem.

As diarreias alimentares são comuns nesta fase e devem-se ao fato dos vitelos tomarem demasiado leite numa só toma ou fazerem tomas irregulares. Nestas situações o abomaso demasiado distendido e o leite vai para o rúmen sofrendo fermentações que condicionam inchaço.

A redução do refluxo natural do esófago também é um causa comum de diarreia.  Surge qundo a posição de ingestão é muito baixa, para evitá-la deve colocar-se o balde a 35 cm do solo (ao nível do joelho da pessoa) e no caso da mamadeira esta deve estar a 75cm do solo. As diarreias alimentares também podem surgir se a temperatura do leite é demasiado baixa, e  com taxas de diluição incorretas do leite de substituição). No caso de ser usado leite de substituição devem ser respeitadas as instruções dos fabricantes, relativamente à temperatura da água de diluição (45º) e a concentração do leite. Se um fabricante diz que a concentração é de 150 gr/l de leite, o que devemos fazer, é colocar 1Kg de pó em 6 litros de água. Depois da diluição vamos obter 7 litros de leite já diluído com uma concentração efetiva de 150gr/L. Se colocarmos as 150gr de pó em 1 litro de água, vamos obter uma concentração de apenas 130 gr de pó/litro de leite confecionado.

Os produtores devem evitar fornecer aos vitelos leite com células somáticas elevadas, leite proveniente de vacas com mamites e leite com antibióticos, pelo risco de desenvolver infeções resistentes aos antibióticos. Alimentar vitelos com leite tratado com antibióticos é uma má prática, com consequências muito graves para a saúde pública e animal, pois o uso abusivo de antibióticos gera aumento de resistências e atrasos no desenvolvimento dos vitelos.

É importante referir que o leite de desperdício deve ser utilizado apenas em vitelos destinados ao abate.

A pasteurização pode ser um método importante de forma a reduzir os riscos decorrentes da utilização deste leite. Contudo o efeito da pasteurização ainda não é bem claro, porque as toxinas não são destruídas. Alguns componentes essenciais do leite como Igs, proteínas, algumas vitaminas, podem ser destruídas, assim como a redução da solubilidade do cálcio. Apenas a pasteurização lenta ou baixa (60 minutos a 60º) pode manter estes componentes intactos e reduzir a concentração dos patogénicos. O processo envolve um investimento elevado e exige uma boa monitorização.

É importante que os produtores tenham presente, que os primeiros 50 dias de vida são importantíssimos e condicionam o futuro desempenho produtivo de uma vitela!

Órgãos como coração, pulmão, fígado, músculo e parênquima mamário atingem o crescimento máximo nesta fase. Logo quanto maior o crescimento nesta fase, melhor será o desempenho futuro. Há evidência de que novilhas bem alimentadas nesta fase apresentam incrementos na produção (relativamente a outras mal alimentadas), que pode chegar até 1300 litros de leite. Assim sendo o leite fornecido aos vitelos deve ser de qualidade máxima e em quantidade adaptada as necessidades de cada animal.

As patologias dos vitelos recém-nascidos que acarretam maiores prejuízos são, sem dúvida, as diarreias neonatais e as doenças respiratórias bovinas. O correto maneio do colostro constitui a forma mais importante de evitar estas patologias. Os produtores devem melhorar a imunidade dos vitelos, através do enriquecimento do colostro, vacinando as mães durante o período seco, aumentado assim as defesas contra os agentes responsáveis quer pelas diarreias neonatais quer pelas doenças respiratórias. Em alterantiva podem fornecer, por via oral nas primeiras horas após o nascimento, preparados ricos em Igs.

Concluindo a qualidade do colostro e o momento em que ele administrado condiciona o desenvolvimento e desempenho futuro do vitelo. De facto, os vitelos recém-nascidos são muitos frágeis e como tal necessitam de boas condições de maneio, instalações confortáveis e limpas para poderem sobreviver e dar o seu contributo para o progresso genético, sobrevivência e manutenção da exploração.

Dr. João Vidal

Médico veterinário