Setor necessita de um pacto de regime entre toda a fileira do leite | Agricultor 2000


Presidente da Federação Agrícola dos Açores lançou o repto à indústria, distribuição e poder político, no arranque do IX Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono

“Para que os produtores não passem a pobres, temos de fazer um pacto de regime. Sou o primeiro a dar o passo, espero que a indústria, distribuição e governo o faça". A frase é do presidente da Federação Agrícola dos Açores, Jorge Rita, na cerimónia de inauguração do IX Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono, que contou com a presença de 150 animais de 45 explorações, um número "acentuado" e que revela a dedicação e o trabalho que os produtores de leite têm feito.

Naquele que é o evento que dá palco à excelência do melhoramento genético feito na Região Autónoma dos Açores, o dirigente associativo fez um raio-x ao setor, o motor da economia regional, passando por toda a cadeia de produção.

"A parte da produção, mesmo não fazendo tudo bem feito, está mais próximo daquilo que os outros fazem e isso está patente na qualidade dos animais que vão estar no concurso. Leio sempre as dicas dos industriais de lacticínios sobre o que os produtores devem fazer. Nós fazemos a nossa parte, e os industriais o que têm feito?", questionou Jorge Rita, perante a vasta plateia, onde pontificam os secretários regionais da Agricultura e do Mar e das Pescas, vários diretores regionais e deputados do parlamento açoriano, produtores e presidentes associativos, industriais e representantes da banca.

Recordando os obstáculos que a lavoura tem enfrentado nos últimos anos, desde a pandemia, passando pela inflação e a invasão da Ucrânia, o presidente da Federação Agrícola dos Açores vincou a resiliência dos produtores açorianos perante uma indústria que não reconhece o trabalho de qualidade que é feito.

"Quando recebemos uma carta da indústria e sabendo que vai apresentar resultados excelentes no próximo ano, que não seja à custa do suor do trabalho de quem trabalha 365 dias por ano! Não se empurra o problema só para os produtores! Estamos condenados a trabalhar em conjunto e para termos uma relação saudável, institucionalmente e não só, temos que pensar que todos têm de ganhar na fileira".

Jorge Rita trouxe ao discurso os dados revelados recentemente pela PARCA - Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar, criada em 2011 pela então ministra da Agricultura, Assunção Cristas, em que se comprova que a produção é quem perde mais na fileira do leite.

"O estudo da Parca concluiu que a distribuição - raramente falada pela indústria - ganha sempre, ganha sempre a indústria, perde quase sempre a produção. Não há quem resista a isso", afirmou, deixando no ar a pergunta: "Onde estão as entidades oficiais com capacidade para denunciar o dumping?".

A baixa do preço do litro de leite pago ao produtor também não escapou à intervenção do presidente, sublinhando que "todos estão com dificuldades, mas o problema maior está na produção".

"Concordamos que temos que tornar as nossas explorações mais eficientes e com menos custos. Fala-se agora da agricultura regenerativa. Mas queremos resultados: como é que ganhamos mais dessa forma?", inquiriu.

Sobre o Governo Regional dos Açores, Jorge Rita pediu ao secretário regional da Agricultura para "não se distrair", exigindo que a estratégia regional de exportação seja "repensada, pois temos de ficar com melhor carne e leite na região para o turismo que interessa e que deixa dinheiro na região. Temos de estar atentos aos jovens para cativá-los para a produção".

Ainda sobre os jovens agricultores, o responsável máximo da lavoura açoriana abordou a tributação fiscal e da segurança social a que estão sujeitos, apelidando-a de "impensável", pedindo por isso ao Governo Regional dos Açores que intervenha para "dar confiança e segurança aos jovens agricultores". Jorge Rita abordou os sobrecustos provocados pela subida das taxas de juro, desafiando o executivo a contribuir para mitigar esse esforço.

Com o setor a sofrer uma reconversão para o setor da carne, o presidente da Federação Agrícola dos Açores reconheceu que os desafios feitos aos matadouros "têm sido cumpridos", o que está a permitir que a produção de carne ganhe dimensão "e isso terá um impacto muito grande na Região".

O trabalho desenvolvido pelo IROA também foi destacado, mas Jorge Rita considerou que não é suficiente, principalmente ao nível dos caminhos agrícolas e abastecimento de água. "É fundamental a manutenção e limpeza dos caminhos existentes, bem como a construção de novos caminhos. Há fundos comunitários para isso", alertou.

A necessidade do executivo regional regularizar os pagamentos aos produtores também foi destacado no discurso, com Jorge Rita a defender, ainda, a liberalização do gasóleo agrícola.

Por último, o presidente da federação não poupou a Ministra da Agricultura, assumindo frontalmente que não vai aceitar "uma discriminação em relação aos Açores", referindo-se, concretamente, aos apoios nacionais que deixaram os produtores açorianos de parte.