Problemas Podais em Bovinos Leiteiros e seus princípios de controlo | Informações Técnicas


Os problemas podais (vacas mancas) são uma importante causa de refugo involuntário, juntamente com as mamites e a infertilidade, em explorações de vacas leiteiras. São responsáveis por prejuízos económicos consideráveis, podendo cada vaca manca, representar um custo total para a exploração superior a 400 euros (quebra de produção de leite, tratamentos, problemas de fertilidade futuros, etc).

Estes problemas são responsáveis por graves consequências na produtividade e fertilidade da vaca, logo a rentabilidade económica da exploração pode ser severamente afectada. Uma vaca manca pode produzir bastante menos numa lactação de 305 dias (com perdas que podem variar entre 160 a 550Kg de leite). As patologias podais também afectam a fertilidade, na medida em que, atrasam o retorno ao cio (inactividade dos ovários), dificultam a detecção de cio, diminuem as taxas de concepção e gestação (existe maior probabilidade de ocorrer mortalidade embrionária e aborto) e, consequentemente aumentam o intervalo entre parto-gestação. O risco de refugo do animal fica aumentado.

A condição corporal do animal também pode ficar gravemente afectada, a vaca come menos (por dificuldade em levantar-se para pastar e/ ou dirigir-se à manjedoura), emagrece, fica mais fraca e mais susceptível à ocorrência de outras doenças como mamites, metrites, etc. (fig.1)

A frequência dos problemas podais varia de exploração para exploração, estando o risco dependente das condições de maneio, nutrição, instalações (humidade do pasto, qualidade dos caminhos por onde andam as vacas, conforto dos cubículos, higiene dos parques, etc) e do tipo de micróbios presentes. Os problemas de cascos são mais frequentes nas vacas altas produtoras, no início da lactação. As vacas mais velhas também são mais susceptíveis de terem problemas de cascos. Em relação à época do ano, são mais frequentes durante o Inverno, devido à humidade que amolece o casco, tornando-o mais fraco.

Para melhor compreender as causas e o tipo de doenças podais que podem ocorrer, é importante ter uma noção básica da anatomia externa e interna das extremidades das vacas, ou seja, a constituição de cada pata.

Cada pé tem 2 unhas principais, a lateral (unha de fora) e a medial (unha de dentro) e 2 unhas acessórias (pequenas, não assentam no chão). Exteriormente cada unha é constituída por uma parede (zona lateral do casco), uma sola (zona em contacto com o chão), uma pinça e um talão. A zona de união entre a parede e a sola é a linha branca. (fig. 2)

O interior da unha (fig. 3) é constituído por tecido vivo (córion ou 'sabugo' da unha), responsável pela produção da parte dura do casco e funciona como amortecedor, juntamente com os talões. Quando o tecido vivo está lesionado (ex. inflamação, ferida, etc) pode ocorrer a formação de uma unha de má qualidade, com menor resistência e mais mole, predisposta à perfuração por corpos estranhos, fracturas, etc.

Cerca de 92% dos problemas ocorrem nas extremidades dos membros (patas) e 8% na zona superior (ex. bacia, encontros, articulações dos joelhos e curvilhões, etc), estando normalmente relacionados com problemas no parto (ex. 'vaca aberta da cria') e infecções nas articulações dos joelhos e curvilhões. Por norma, a unha mais afectada nos membros anteriores é a medial e nos membros posteriores é a lateral. Quanto à localização das lesões, podem ocorrer no casco (úlceras da sola e perfuração por corpo estranho) ou na pele (dermatites ou infecções de pele).

Pode-se classificar as doenças podais em 2 grandes grupos:

- Infecciosas (derivadas da infecção por micróbios),

- Não infecciosas (relacionadas com a fragilidade da unha).

Como principais exemplos de doenças infecciosas temos (fig. 4):

- Necrobacilose interdigital aguda ou 'unheiro' (infecção aguda da pele e tecido vivo do espaço entre as duas unhas),

- Dermatite digital (infecção da pele em volta das unhas, também conhecida como 'morangueiro').

Estas doenças podem aparecer numa só vaca ou em várias vacas ao mesmo tempo e podem transmitir-se de vaca a vaca (são contagiosas). Por norma, não afectam o casco e é frequente haver uma ferida prévia da pele. Como factores de risco temos a falta de higiene e excesso de humidade (estes factores fragilizam a pele predispondo ao aparecimento de feridas, que são a porta de entrada para os micróbios que provocam a infecção). Por exemplo, no Inverno, em pastos onde as vacas estão sempre com as patas cobertas de lama é de esperar que o aparecimento destas doenças aumente. Em estábulos ou parques com acumulação de detritos nos corredores, por insuficiente limpeza, também ocorre aumento de incidência deste tipo de doenças.

Destas 2 doenças a mais grave para o animal é o panarício, trata-se de uma infecção aguda da pele, que afecta severamente o estado geral do animal (diminui o apetite, muitas vezes há febre, quebra acentuada na produção de leite), se não for tratada atempadamente pode inclusivamente atingir ossos e articulações do membro afectado (fig. 5). O aparecimento é súbito (vaca aparece manca de um dia para o outro), normalmente apenas um membro está afectado, encontrando-se muito 'inchado' (dedos afastados - fig. 5), tem pús e mau cheiro. Em relação às dermatites digital e interdigital, a gravidade depende do tamanho da lesão e da dor que provoque ao animal.

Do grupo das doenças não infecciosas, a mais frequente é a laminite, sendo mesmo a doença podal com maior incidência nas explorações (pode afectar até 75% dos animais em situações graves). A laminite predispõe ao aparecimento de úlceras da sola e doença da linha branca, porque fragiliza o casco (formação de unhas mais moles). Podemos classificar a laminite como aguda ou crónica, clínica ou sub-clínica. A laminite aguda tem 1 aparecimento súbito, afecta, em norma mais do que 1 membro. Os membros afectados encontram-se 'inchados', avermelhados e quentes ao tacto. Quando não se resolve, evolui para crónica e podem ocorrer deformações do casco, rotação da 3ª falange, levando a um apoio incorrecto do membro no chão. (fig. 6) Estas lesões crónicas dificilmente têm recuperação.

A laminite clínica é facilmente identificada porque o animal manifesta sinais de 'manqueira', pata 'inchada', etc. (fig. 6) A laminite sub-clínica dificilmente é identificada pela observação visual do animal. Caracteriza-se por lesões no córion (sabugo), muitas vezes só identificadas quando se faz o corte funcional dos cascos (ex. existência de hemorragias e zonas mais moles) (fig. 7). A principal consequência deste tipo de laminites, é o amolecimento dos cascos, predispondo a úlceras e à perfuração do casco por corpos estranhos e podem desenvolver-se infecções posteriores (ex. abcessos). (fig. 7)

A ocorrência de laminites está relacionada com desequilíbrios alimentares que conduzem a acidoses ruminais. Como exemplos temos: dietas ricas em hidratos de carbono e pobres em fibra, mudanças bruscas de alimentação (alimentação da secagem para a de produção), excesso de proteína total da dieta. A condição corporal também é um factor importante, vacas gordas têm menos apetência para forragens, comem mais concentrado, logo têm um risco aumentado para acidoses ruminais. Por outro lado, vacas muito magras, estão mais carenciadas, o tecido duro do casco é de fraca qualidade, predispondo-as a patologias podais.

O maneio do animal também influencia o aparecimento de laminites. Todas as situações que aumentem o stress sobre as unhas (maior tempo de permanência em pé em pastos/ parques muito húmidos, locais de acumulação de lama/ detritos como manjedouras, corredores dos estabulos e locais de ordenha na pastagem), provocam fragilidade e amolecimento da unha.

Em relação às laminites, a abordagem deverá ser essencialmente preventiva, procurando regimes e transições alimentares equilibradas e suaves. Igualmente importantes, como já referi, são os factores de maneio. Neste aspecto é fundamental atender-se sempre ao bem-estar das vacas e tentar evitar ao máximo os riscos de sobrecarga das unhas.

A úlcera da sola e a doença da linha branca, são frequentemente consequência de laminites sub-clínicas ou inadequadamente tratadas. O local mais comum para a úlcera da sola é logo abaixo dos talões. (fig. 8) A doença da linha branca deve-se à perfuração por corpos estranhos devido ao casco estar mais mole. Podem-se formar abcessos como consequência da infecção, sendo situações extremamente dolorosas para o animal, afectando a sua produtividade e fertilidade.

Considero importante fazer referência a outra doença podal, o tiloma, que frequentemente encontrei durante os anos em que fiz clínica em S. Miguel (fig. 9). O tiloma é uma massa dura ('teta de carne') que aparece no espaço entre os dedos. A principal causa é a irritação crónica da pele devido a, dermatites ou panarícios, má higiene, produtos desinfectantes muito irritantes (ex, pedilúvios muito concentrados), havendo um crescimento excessivo da pele neste local. Existem igualmente factores genéticos que podem levar alguns animais a manter as unhas mais abertas (defeito de ligamentos) e isso por vezes leva ao aparecimento de tilomas.

Em todos os casos de patologias podais o tratamento deve ser realizado pelo médico veterinário e/ ou técnico especializado. Cada doença tem uma abordagem diferente, implicando um diagnóstico correcto da mesma.

Em linhas gerais, o tratamento pode incluir o corte curativo das unhas, a limpeza e desinfecção da lesão, a administração de antibiótico injectável (ex. no panarício) e/ ou antibiótico local, a utilização de pedilúvios, a aplicação de tacos de patas (ex. úlcera da sola) e pensos para protecção da zona lesionada. (fig. 10)

O controlo da dor, muitas vezes negligenciado, é um factor muito importante na recuperação do animal. Uma vaca com dor não se levanta tão frequentemente, come e bebe menos, efectua menos exercício, sofre mais pressões musculares e ósseas e, a subida da produção de leite é mais demorada. Resumindo tem uma recuperação mais lenta e corre o risco de agravar a lesão. A administração de um anti-inflamatório, no momento do tratamento pode ter efeitos benéficos no bem-estar animal, recuperação da doença e na produção leiteira.

Além das medidas preventivas já referidas ao longo do texto, considero essencial realçar a importância dos pedilúvios preventivos (caso as infra-estruturas da exploração o permitam), do corte funcional das unhas e, no caso particular dos Açores, a suplementação do animal com vitaminas e minerais (a sua carência pode provocar o amolecimento das unhas).

O objectivo dos pedilúvios é o endurecimento e desinfecção das unhas. Devem ser utilizados periodicamente, uma vez por semana ou 3 dias seguidos, de 4 em 4 semanas. O corte funcional permite reduzir a sobrecarga das unhas. Idealmente deveria ser realizado duas vezes ao ano (durante a secagem e cerca de 80 a 130 dias após o parto). Na impossibilidade de o fazer com esta frequência, deve-se fazer uma vez durante o período seco. Nas novilhas também se deve fazer esta intervenção, antes do parto.

Para esclarecimentos adicionais acerca do tema, consulte o médico veterinário assistente da sua exploração.

 

Deolinda Silva

Médica Veterinária, Pfizer Saúde Animal

 

Nota da autora: Gostaria de agradecer ao Prof. Doutor George Stilwell (Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa) pela cedência de algumas fotografias utilizadas neste artigo.

 

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- http://www.vetofocus.com

 

 

 

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do tratamento e correção de cascos que se encontra disponível para prestar serviços ao longo de todo o ano.