Importância do colostro na saúde do vitelo | Informações Técnicas


O desempenho dos sistemas actuais de exploração leiteira sustenta-se em três pontos básicos: melhoramento genético, alimentação e sanidade. Estes pontos, quando trabalhados de forma sincronizada, permitirão uma maior produtividade e consequentemente maior retorno económico.

A produção de leite é a principal actividade dentro do panorama agrícola local. No entanto a atenção dispensada à vitela leiteira é inadequada, visto ser generalizada a ideia que na exploração ela só dá trabalho e despesas.

Dentro de qualquer sistema de produção, os vitelos são os mais susceptíveis às doenças. São grandes os prejuízos económicos resultantes das doenças, caracterizadas por taxas elevadas de mortes, gastos com medicamentos e mão-de-obra, além dos atrasos em todas as etapas do processo de produção, uma vez que os animais que se recuperam, invariavelmente apresentam um desempenho produtivo inferior. A incidência de doença nas fases iniciais da vida coloca em risco a possibilidade de substituição dos animais mais velhos, ou desvalorizados em termos produtivos, bem como o incremento genético devido ás elevadas taxas de mortalidade. O período entre o parto e o desmame é o mais importante da vida de qualquer animal. Muitas vezes a mortalidade pode ser tão elevada numa exploração que pode atingir os 20%, quando os valores normais vão até aos 5%.

Nos bovinos, devido à constituição da placenta (tipo Epitélio-Corial) não é possível a passagem de Imunoglobulinas (anticorpos protectores) da mãe para os fetos durante a gestação ( ou seja, a imunidade não passa da mãe para os filhos durante a gestação). Nos vitelos recém-nascidos a imunidade só é adquirida de uma forma passiva através do colostro.

 O colostro é a secreção da glândula mamária nas primeiras 24 horas após o parto. Entre as 24 e 72 horas após o parto a secreção produzida é denominada leite de transição tendo este já pouco significado na imunidade passiva.

O colostro é muito rico em energia, proteínas, vitaminas (especialmente A, D, E, e B12) e minerais. O que mais se destaca é o facto de este ser muito rico em imunoglobulinas, responsáveis pela transferência da imunidade de forma passiva para o vitelo e, que permitem combater as infecções.

As imunoglobulinas IgG1 e IgG2, (representam 85% a 90% do total) juntamente com as IgM são importantes no controle das infecções gerais, pois constituem a primeira linha de defesa nos casos de septicemia, enquanto que as IgA são importantes na protecção das mucosas, nomeadamente a intestinal, porque tem a capacidade de aderirem à mesma impedindo a instalação bacteriana.

Os níveis de imunoglobulinas no colostro aumentam dos 9 aos 3 dias antes do parto, atingindo o máximo 2 horas após este. São mais elevados na primeira ordenha, diminuem para 70% a 50% na segunda ordenha, de 50% a 30% na terceira ordenha, sendo nulos na quarta ordenha. Se por qualquer razão tiverem de ordenhar as vacas antes do parto, não se devem esquecer de guardar o colostro da primeira ordenha, conserva-lo para depois o administrar ao vitelo.

Um dos maiores problemas observados na criação de vitelos trata-se da administração tardia do colostro. Os anticorpos do colostro (imunoglobulinas) devem chegar ao intestino antes do estabelecimento da flora microbiana normal. Quando as bactérias, principalmente a Escherichia coli, colonizam o intestino antes da ingestão do colostro, estas aderem ás paredes do intestino, causando diarreia. Neste momento as células da parede intestinal são permeáveis à penetração de bactérias. Estas passam para a circulação sanguínea podendo causar septicemia e morte. Á administração tardia do colostro estão associadas altas taxas de doenças, de mortalidade por alterações intestinais, respiratórias, septicemias e hemoparasitoses (Coccidioses).

O processo de transferência da imunidade passiva para os vitelos depende de três factores: qualidade do colostro, momento da sua administração e absorção de imunoglobulinas colostrais em quantidade suficientes.

A quantidade do colostro está relacionada com a quantidade de imunoglobulinas presentes e, a especificidade das mesmas. Um bom colostro apresenta-se espesso e com um aspecto cremoso, enquanto, um colostro de má qualidade é fino e aguado. Uma forma de avaliar a sua qualidade faz-se através do seu aspecto ou da sua densidade (a densidade pode ser determinada usando um aparelho, chamado Colosterômero).

A exposição da vaca aos agentes infecciosos da exploração e as vacinações efectuadas determinam a especificidade dos anticorpos encontrados no colostro (é possível vacinar as vacas no período seco com vista a obter colostro de melhor qualidade).

Vários são os factores que afectam a qualidade do colostro : variação individual, período seco curto (menos de 30 dias), parto prematuro, idade da vaca (vacas mais velhas ou seja multíparas, produzem colostro de melhor qualidade), estado nutricional da vaca seca (vacas bem alimentadas e suplementadas com vitaminas e minerais produzem colostro de boa quantidade), ordenha antes do parto, mamites, raça das vacas (vacas holstein apresentam baixas concentrações de imunoglobulinas no colostro), estímulos antigénicos através de infecções naturais ou de vacinações (produzem colostro de melhor qualidade), quantidade de colostro produzido (quanto maior o volume, menor a concentração em imunoglobulinas).

O desejável é administrar ao vitelo entre 2 e 2.5 litros de colostro nas primeiras 6 horas após o parto, preferencialmente nas primeiras 3 horas, e repetir 4 a 5 horas depois. O consumo no primeiro dia não deve ficar abaixo dos 10% do peso corporal do vitelo, podendo atingir os 20%.

Um ponto importante é o tempo que medeia a administração após o nascimento. Ocorre um rápido declínio da capacidade de absorção das imunoglobulinas, poucas horas após o nascimento, iniciando-se 6 horas após e terminando entre 24 a 36 horas. As células que compõem a mucosa da parede intestinal só são capazes de absorver as imunoglobulinas durante as primeiras horas de vida do vitelo, sendo esta máxima logo após o nascimento, baixando consideravelmente até as 12 horas e praticamente nula ás 24 ( explicando melhor é como se o intestino delgado estivesse cerrado à penetração das imunoglobulinas).

Vitelos que tomam o colostro tardiamente e que tiveram a instalação da flora microbiana intestinal, antes da ingestão deste, tem até 9 vezes mais possibilidades de contraírem doenças. Uma alta incidência de doenças nas primeiras 6 semanas está normalmente associada a falhas na imunidade passiva. Entre as 6 e as 12 semanas os vitelos adquirem a imunidade activa, razão pela qual devem ser muito bem alimentados e cuidados neste período.

A forma de administração do colostro depende das características de cada exploração, levando em consideração o nº de animais, a raça, a qualidade e disponibilidade de mão-de-obra e as instalações existentes. Por razões desconhecidas, a absorção das imunoglobulinas é maior quando os vitelos amamentam-se na mãe nas primeiras 2 a 4 refeições. No entanto naquelas explorações onde as vacas estão normalmente com os úberes sujos de lama, ou conspurcados com fezes é mais aconselhado ordenhar e dar o colostro aos vitelos em baldes ou com ajuda de mamadeiras. Nestes casos, os baldes, as mãos do ordenhador e do administrador devem estar limpas e desinfectadas, porque da mesma forma que intestino é permeável para as imunoglobulinas, também o é para as bactérias e outros agentes infecciosos.

Muitos dos vitelos recém-nascidos por razões diversas, tem dificuldade em tomar o colostro. Nesta fase, os tratadores devem demonstrar paciência e disponibilidade e não usar o argumento, quando tiveres fome hás-de beber...

Como foi referido o colostro é rico em minerais. No entanto o ferro encontra-se em concentrações muito baixas, o que torna necessário a sua administração nos primeiros dias de vida, por via oral ou intramuscular, para prevenir as anemias, muito comuns nesta fase.

Para além dos cuidados já mencionados é importante ter em conta, que os vitelos sofrem um choque imenso logo após o nascimento. Pode dizer-se que eles fazem uma viagem do paraíso para um ambiente muito difícil, ou seja, abandonam um local onde lhes é dada uma protecção total pela mãe, para um ambiente por vezes quente ou frio de mais, seco ou húmido de mais, mais ou menos conspurcado, etc.

O período da imunidade passiva dura apenas 4 a 6 semanas, é importante que sejam fornecidas condições, para que passado este período, os vitelos criem as suas próprias defesas (imunidade activa) sem adoecerem.

Vamos apenas relembrar algumas medidas que contribuem decisivamente para a saúde e bem-estar dos recém nascidos:                                                    

- As vacas devem parir em locais secos e limpos.                                       

-Desinfectar os umbigos dos recém-nascidos com iodo ou oxitetraciclina em spray.

-Manter sempre que possível os recém-nascidos, em locais limpos e secos. Os locais húmidos são fontes de propagação e manutenção de infecções. Evitar o acesso a água ou poços conspurcados com fezes ou outros detritos.

-Num viteleiro sempre que se tirar um animal da lojete ou parque, estes devem ser lavados e desinfectados.

-Sempre que os vitelos mamarem nas mães, deve-se lavar os tetos durante os 2 primeiros dias se estes estiverem sujos.

-Baldes devem ser lavados e desinfectados em todas as refeições.

A fase de recém-nascido é aquela que os vitelos requerem maiores cuidados, tal como acontece com as crianças.

A saúde do vitelo e futuro adulto está muito dependente do estado em que a mãe se encontra durante o período de secagem. É nesta fase que a vaca é estimulada a produzir um colostro de boa ou má qualidade. Uma alimentação equilibrada, rica em proteína e pouco energética, suplementada com sais minerais, acompanhada de um bom programa vacinal, adequado às doenças mais frequentes existentes na região, certamente levará á produção de colostro de qualidade.

Como já foi insistentemente focado, a qualidade nutricional do colostro representa uma mais-valia nutricional e sanitária. Numa situação económica difícil como se encontram as nossas explorações, impressiona o facto de uma quantidade considerável de colostro ser inutilizado, ou seja colocado para o lixo. Uma forma deste ser aproveitado, passa pela sua conservação e posterior administração.

Uma vaca normal é capaz de produzir entre 40 e 70 litros de colostro, o suficiente para alimentar um vitelo durante aproximadamente 3 semanas.

A conservação do colostro pode ser feita de 3 formas:

1ª- Refrigeração - Não é viável, visto não ser economicamente sustentável arranjar câmaras de refrigeração suficientes.

 

2ª- Congelação - Trata-se do melhor processo, mas também não é possível arranjar câmaras frigoríficas suficientes. Deve ser usada para guardar apenas algumas doses de colostro para aqueles vitelos, cujas mães, morreram, não o produzem ou este é de má qualidade, ou então são ordenhadas antes do parto. O colostro congelado não perde nenhumas das suas qualidades, no entanto, deve-se ter cuidado com a descongelação. Deve ser feita em banho-maria ou à temperatura ambiente. A administração deve ser feita à temperatura de 37º a 38º

Ou seja à temperatura corporal do animal. Nunca aquecer o colostro no fogão e, não ultrapassar os 38º a 40º porque as imunoglobulinas destroem-se facilmente com o calor. Para congelar, deve ser escolhido colostro de superior qualidade, de cor amarela, denso e preveniente de vacas mais velhas.

 

3ª- Ensilagem ou fermentação anaeróbia - Trata-se da forma mais fácil e que melhor pode ser executada pelos nossos agricultores. O processo consiste na colocação do colostro em garrafões de plástico até encher completamente, mantê-los tapados durante aproximadamente 10 dias e depois administrar aos vitelos. Durante o processo de ensilagem a conservação é feita pela fermentação anaeróbia, com a transformação da lactose existente no colostro em ácido láctico, com redução do pH e consequente aumento da acidez. A administração faz-se passados 10 dias, devendo este ser diluído em água, (2 partes de colostro para 1 de água). Esta deve estar à temperatura de aproximadamente 40º no verão e 50º no Inverno. A diluição é importante, dado que o colostro é muito rico em sólidos.

Um adequado maneio do colostro pode reduzir significativamente os índices de, doenças e mortes, e as perdas económicas decorrentes do uso de medicamentos, do crescimento reduzido e das baixas performances reprodutivas.

Nunca esquecer que os cuidados a ter com a administração de colostro às suas vitelas devem ser os mesmos a utilizar para aqueles vitelos que vão ser vendidos para qualquer viteleiro. Os prejuízos que tem na vossa exploração deve-os reportar para os viteleiros para os quais vende os seus vitelos e, nunca esquecer o ditado; (não queiras para os outros, o que não queres para ti).

 

 

Dr. João Vidal