Fábrica de Rações Santana
A Nutrição ao Serviço da Lavoura
A lavoura micaelense tem manifestado a sua crescente preocupação com a fraca precipitação que tem ocorrido nos últimos meses, a qual tem vindo a provocar problemas no abastecimento de água nas explorações, assim como na produção de forragens de algumas zonas da ilha de São Miguel.
No segundo trimestre deste ano, verificou-se que, em algumas zonas baixas da ilha, ocorreram quebras na produção de pastagem para ensilar superior a 40% e uma germinação e emergência retardada e irregular dos campos semeados com milho.
A falta de água, vulgo seca, é um fenómeno que tem sido uma das causas mais frequentes de insucessos agrícolas em todo o mundo, reduzindo fortemente a produção de forragem. Alguns estudos têm demonstrado que com apenas dois dias de stress hídrico na cultura do milho será o suficiente para provocar perdas até 20% da produção e que de quatro a oito dias poderá diminuir em mais de 50% da produção.
Segundo dados bibliográficos, sabe-se que para atingir-se as produções máximas será necessário um consumo de água durante todo o ciclo da cultura do milho de 500 a 800 mm e que a cultura exige no mínimo 350 a 500 mm para que possa produzir sem necessidade de regadio (rega). A cultura de milho, em condições de clima quente e seco, irá ter um aumento gradual no consumo de água que raramente excede os 3 mm/dia até às quatro semanas após a emergência (estádio V8), podendo atingir valores de 5 a 9 mm/dia no período que vai desde a formação da espiga (estádio VT) até maturação fisiológica do grão de milho (estádio R6).
Dada a importância do tema, achei que seria oportuno explicar de uma forma sucinta a importância da água no desenvolvimento e crescimento da cultura do milho, de forma a que os nossos agricultores possam estar mais esclarecidos relativamente a este tema que tanto tem sido falado nos últimos meses.
Para entedermos melhor a influência da água no milho, devemos começar por entender o conceito evapotranspiração. A evapotranspiração é o processo de perda de água a partir do solo por evaporação e, também, a partir das plantas pela transpiração. Durante os primeiros estádios de desenvolvimento da cultura, as perdas de água dão-se principalmente pela evaporação a partir do solo, tornando-se, à medida que as plantas crescem, a transpiração pelas plantas o principal meio de perda de água do solo para a atmosfera.
O rendimento da cultura será sempre diminuido quando a evapotranspiração for superior à fracção de água disponível no solo em qualquer fase de desenvolvimento da planta. A disponibilidade, absorção e o transporte dos nutrientes também são afectados com a falta de água, resultando em plantas mais débeis e, por conseguinte, mais susceptíveis ao aparecimento de doenças e aos danos causados pelas pragas.
A evapotranspiração no milho varia durante os vários estádios de desenvolvimento, atingindo o valor máximo quando se dá o "fecho da copa" (estádio V16). Estima-se que a evapotranspiração máxima atingida pelo milho encontra-se entre os 5 e 10 mm/dia.
O milho é muito sensível ao stress hídrico durante o abandeiramento (estádio VT), a polinização (estádio R1), seguido pelo enchimento do grão (estádios R2 a R6) e, por fim, durante os vários estádios vegetativos de desenvolvimento (estádios VE a V16).
O stress hídrico no milho manifesta-se com uma coloração verde acinzentada e com o enrolamento das folhas para a página superior, como se pode verificar na figura 2.
Germinação e emergência
A germinação e emergência da plântula de milho só inicia-se na presença de água, terá que haver uma absorção de humidade pela semente para que esta possa germinar e emergir. Sob condições de seca poderá ocorrer um retardamento de duas ou mais semanas da emergência das plântulas, que seria em condições normais de cinco dias após a sementeira.
Ao realizar-se a sementeira, o agricultor deverá ter em atenção a profundidade de sementeira. A semente deverá ser colocada a uma profundidade em que exista condições favoráveis de humidade no solo e de temperatura. Em solos de textura agilosa (solos pesados) poderá realizar-se a sementeira mais próxima da superfície, cerca de 3 a 5 cm de profundidade, enquanto que em solos de textura arenosa (solos leves), a profundidade poderá ser maior, entre os 5 a 8 cm, de forma aproveitar as melhores condições de humidade. As maiores profundidades geralmente proporciona melhor teor de humidade às sementeiras tardias.
Estádios de desenvolvimento vegetativo
O stress hídrico durante o desenvolvimento vegetativo diminui o desenvolvimento das células do colmo (caule) e das folhas do milho, resultando em plantas baixas e com uma menor área foliar. O número de folhas raramente é afectado devido ao stress hídrico. As raízes do milho tendem atingir maiores profundidades. O número de fiadas de grão e o tamanho da maçaroca pode ser menor, uma vez que, provavelmente, aproximadamente seis semanas após a emergência (estádio V12) já se encontra definido o potencial máximo de grãos a desenvolverem-se na maçaroca.
Polinização
O stress hídrico quando ocorre no estádio de abandeiramento e polinização (estádio VT e R1) provoca atrasos na formação das sedas, vulgo barbas, e reduzem o alongamento das sedas, podendo interferir na sincronização entre a libertação do pólen e a emergência das sedas. O stress hídrico durante este período poderá reduzir a produção de grão entre 3 a 8% por cada dia.
Para avaliar o sucesso ou o insucesso da polinização, existem dois métodos de uso geral: contando as sedas que se encontram unidas e/ou contando os óvulos desenvolvidos.
Se retirarmos as folhas da maçaroca e se com cuidado agitarmos as mesmas, iremos verificar que as sedas dos óvulos fertilizados com sucesso caem, enquanto que as outras sedas mantêm-se unidas aos óvulos não fecundados. Os óvulos fertilizados aparecem como bolhas aquosas (estádio R2) aproximadamente após 10 a 14 dias após a fecundação dos óvulos. A quantidade de óvulos fertilizados numa maçoraca indica o sucesso da polinização.
Será ainda importante referir que o desenvolvimento das sedas inicia próximo da extremidade da maçaroca e vai progredindo até ao cimo da mesma, sendo, deste modo, as sedas da ponta as últimas a emergir. Se as maçarocas possuirem muitos óvulos por fiada, as sedas finais podem emergir após já se ter dado a libertação do pólen. Uma outra causa responsável pelo desenvolvimento incompleto da semente é o aborto dos óvulos fertilizados. As sementes abortadas distinguem-se dos óvulos não fecundados pela facto das primeiras iniciarem o desenvolvimento do grão. As sementes abortadas encolhem e na maioria das vezes ficam com uma coloração esbranquiçada.
Desenvolvimento da semente (enchimento do grão)
Quando o stress hídrico ocorre durante o enchimento do grão (estádios R2 a R6) verifica-se que existe um aumento do número de folhas que secam, existe um encurtamento do período de enchimento do grão e diminui o peso do grão.
O stress hídrico durante este período leva a perdas de rendimento entre 2,5 e 5,8% por cada dia de stress. As sementes estão mais susceptíveis ao aborto durante as primeiras duas semanas após a polinização, principalmente as sementes que se encontram na extremidade da maçaroca. Uma vez alcançado o estádio de grão pastoso (R4), as perdas dão-se pela diminuição da acumulação de peso no grão.
A falta de água extrema que ocorra desde cedo nos estádios de grão vesicular (estádio R2) e leitoso (estádio R3) pode facilmente levar à acorrência de abortos, enquanto que nos estádios de grão pastoso (estádio R4) e dentado (estádio R5) pode levar a uma menor acumulação de peso no grão, devido à formação precoce do ponto negro no grão, atingido deste modo a maturação fisiológica.
Gerir o stress hídrico na cultura do milho
Embora todos os anos surgem novas técnicas e tecnologias com o intuito de aumentar a produtividade das culturas, a falta de água no solo ainda é um fenómeno que mais tem contribuido para a redução das produções. A aplicação de sistemas de regadio poderiam evitar a ocorrência desse problema, no entanto seria, na maioria dos casos, inviável enconomicamente para os Açores. Uma das alternativas para melhorar a tolerância do milho à seca será aquando do uso da terra aplicar técnicas que favoreça o aumento da capacidade de retenção de água nos solos, como por exemplo a sementeira directa do milho, que permite uma melhor gestão da água existente no solo. A outra alternativa passará pela escolha de milhos híbridos que tenha uma capacidade de tolerar curtos períodos de seca.
Nos últimos anos, a nossa Cooperativa tem realizado vários campos de ensaio de milhos híbridos em diferentes zonas da ilha, com o intuito de seleccionar aqueles que melhor se adaptam às nossas condições edafo-climáticas, tendo surgido algumas variedades que têm manifestado alguma tolerância à seca, como tem sido do conhecimento de todos vós.