Fábrica de Rações Santana
A Nutrição ao Serviço da Lavoura
O que é? A leptospirose, também conhecida como a “doença dos ratos”, é uma doença causada por bactérias chamadas leptospiras, que atinge o Homem e quase todas as espécies de animais domésticos e silváticos. Esta zoonose (ou seja, doença transmitida por animais) representa um problema grave para a saúde pública e económica pecuária a nível mundial. Nos Açores, o clima temperado e húmido e o elevado número de roedores infectados favorecem a sobrevivência e a transmissão das leptospiras. Neste Arquipélago, a leptospirose humana apresenta as taxas de incidência e mortalidade mais elevadas do País. Dados oficiais apontam para a ocorrência de cerca de 200 casos de 1991 a 2004. Só nos últimos 4 anos, deste período, foram declarados 85 novos casos de leptospirose nos Açores, com maior incidência nas Ilhas Terceira e São Miguel.
Como se transmite? Os roedores representam a fonte de infecção mais vulgar em todo o mundo e o principal vector de transmissão, embora a doença possa também ser transmitida por outros animais, em especial, os canídeos, os bovinos e os suínos. A transmissão faz-se por contacto directo com urina, sangue, leite cru ou tecidos de animais infectados, ou por contacto indirecto através da exposição a ambientes contaminados, tais como água, solos, vegetação e camas dos animais. A fonte de infecção mais frequente é a urina. As principais “portas de entrada” das leptospiras no organismo são a pele ferida, a boca, o nariz e os olhos. Em certas situações, a bactéria pode penetrar através da pele sã principalmente se esta esteve mergulhada em água durante muito tempo. A infecção humana pode adquirir-se por exposição ocupacional, recreativa ou durante a execução de actividades do dia a dia. O tipo de ocupação é um factor de risco significativo. Profissionais como médicos veterinários, trabalhadores de matadouros, criadores de gado, trabalhadores rurais, soldados, mineiros, e pessoas que trabalham com lixo, esgotos ou que contactam com águas inquinadas, correm um risco acrescido de contraírem a doença. A importância relativa desses riscos diminui ao serem implementadas medidas preventivas.
Como se manifesta? De várias formas, tanto no Homem como nos animais, podendo ser fatal nos casos mais graves. No Homem, o período de incubação é geralmente de 5 a 14 dias, mas pode variar entre 2 e 30 dias. A doença tem, em regra, um começo súbito com dores de cabeça, febre, arrepios, mal-estar, dores musculares e fadiga (como uma gripe), após o que pode evoluir de forma moderada ou severa (e.g., insuficiência renal aguda ou pneumonia).
Como se diagnostica? A variedade do quadro clínico obriga à realização de análises num laboratório especializado para confirmação da presença de anticorpos contra as leptospiras pela técnica de referência (teste de aglutinação microscópica). Contudo, a introdução de técnicas de rastreio mais simples, como a de aglutinação macroscópica sobre lâmina, tem contribuído para um primeiro diagnóstico, rápido e eficaz na fase aguda da doença.
De salientar ainda, o recente contributo da pesquisa de DNA da bactéria, por tecnologia molecular nos primeiros 2-3 dias após o inicio dos sintomas, como alternativa para um diagnóstico laboratorial, na ausência de resposta precoce ao nível dos anticorpos.
Como se trata? O tratamento das leptospiroses varia com o tipo, gravidade e duração dos sintomas, podendo ser eficaz, desde que iniciado em tempo útil, antes do aparecimento de lesões extensas e irreversíveis.
Como se evita? A prevenção e o controlo da leptospirose são mandatórios em áreas endémicas e baseiam-se em diferentes tipos de abordagem, nomeadamente: i) adopção de medidas de higiene e protecção individual durante actividades de risco, através do uso de vestuário e calçado protector como, por exemplo, luvas e botas de borracha; ii) ingestão apenas de leite fervido e/ou pasteurizado; iii) limpeza e desinfecção de superfícies contaminadas; iv) controlo do número de roedores; v) vacinação de animais domésticos; vi) protecção de produtos alimentares, destinados a consumo humano ou animal, de uma eventual contaminação por contacto com urina de animais infectados; e vii) isolamento e tratamento, ou abate dos animais doentes e portadores de leptospiras. Nas explorações agrícolas, devem ainda diminuir-se as possibilidades de aquisição de infecção mediante a prática de uma politica de ciclo fechado e, nos casos de reposição de efectivo, submissão dos animais a testes laboratoriais. Deve ser evitado o uso de locais de abeberamento comuns e reduzido o pastoreio conjunto com outras espécies domésticas e /ou outros rebanhos da mesma espécie. A transmissão venérea, por sémen contaminado, deve ser também controlada.
Quais as implicações na produção animal e na economia pecuária? Nas espécies pecuárias, a leptospirose manifesta-se de várias formas, sendo geralmente responsável por graves perdas económicas a nível da produção.
Nas vacas leiteiras, por exemplo, as leptospiras podem provocar: diminuição da produção e alteração da qualidade do leite, infertilidade, aborto, retenção placentária e nascimento de vitelos mortos ou fracos, de uma forma mais ou menos silenciosa. Nos vitelos, a doença aparece geralmente de uma forma mais aguda, sendo a mortalidade mais elevada que nos adultos.
Porque é tão importante nas Ilhas da Região Autónoma dos Açores? Porque nestas ilhas existem condições de temperatura e humidade que permitem uma maior sobrevivência das leptospiras no ambiente, depois de eliminadas pelos animais infectados, através da urina. Além disso existe, em algumas ilhas dos Açores, uma elevada densidade de roedores, um dos principais vectores destes agentes, e estudos efectuados demonstram elevadas taxas de infecção por estas bactérias. Por outro lado, a agro-pecuária é uma das principais actividades económicas da Região e o contacto habitual com a terra e com os animais domésticos facilita a infecção por contacto com superfícies, ferramentas e produtos contaminados por leptospiras. Os bovinos são frequentemente portadores de leptospiras e a ordenha representa um dos principais factores de risco ocupacional, se não foram adoptadas medidas de higiene e protecção individual. Outras actividades frequentes da população como a jardinagem, o saneamento básico e a construção civil são também consideradas de “risco”, dado o contacto, mais ou menos directo, com a terra e/ou água contaminada.
Margarida Collares Pereira
(Coordenadora Cientifica do Projecto da Leptospirose nos Açores)