Na agricultura não houve lay-off, e foi uma atividade que nunca parou | Agricultor 2000


O Presidente da Federação Agrícola dos Açores aborda alguns temas da atividade agrícola na região. Os efeitos da pandemia do covid-19, a reconversão de leite para carne, os fundos comunitários ou vinda de jovens para o setor são temas em destaque.

- Como caracteriza o actual momento do sector agrícola nos Açores?

Jorge Rita - O momento atual é difícil atendendo aos rendimentos dos agricultores não serem os desejáveis, seja pelas consequências da pandemia do covid-19, seja pela baixa remuneração dos produtos agrícolas. É uma situação complicada que não pode continuar.

- O covid-19 afectou o rendimento dos agricultores. O que foi feito para colmatar esta situação?

J. R. - A pandemia do covid-19 promoveu novas formas de consumo que obrigaram os produtores a adaptarem-se rapidamente à nova realidade. A Federação Agrícola dos Açores propôs várias medidas capazes de minimizar os efeitos da pandemia, mas as que foram tomadas a nível europeu e nacional revelaram-se insuficientes.

- Como analisa a actuação do Governo dos Açores no combate aos efeitos da pandemia?

J. R. - O Governo dos Açores levou algum tempo a aperceber-se da real situação da agricultura e das dificuldades existentes porque não houve lay-off, e por ter sido uma atividade que nunca parou, e com isso, não se terem verificado ruturas no abastecimento alimentar às populações. A importância da agricultura ainda não foi devidamente reconhecida. A nível regional, e conforme reivindicação da Federação Agrícola dos Açores, foram anunciadas algumas ajudas, como o apoio de 45 euros por vaca leiteira, mas que ainda não tiveram qualquer efeito prático.

- Há um problema estrutural no sector. O preço do leite é considerado muito baixo, o rendimento das explorações tem vindo a baixar. É na produção de carne que está o futuro do sector da lavoura nos Açores?

J. R. - Algumas indústrias têm levado à desmotivação de muitos produtores devido ao preço de leite que pagam. Existem produtores que devido a razões estruturais não têm condições para se manterem na fileira do leite e nestes casos, a reconversão de explorações de leite para carne pode ser uma boa solução. A Federação Agrícola dos Açores tem vindo a trabalhar na reestruturação da fileira com o Governo dos Açores, de forma a encontrarem-se soluções capazes de ir de encontro às necessidades. O crescimento do setor da carne é desejável, mas a importância do leite na região nunca será substituída, pela sua influência na balança comercial e pela sua contribuição para a coesão socioeconómica regional. 

- A produção tem acusado a indústria de não se modernizar, e esta justifica - se que o leite é um produto excedentário na Europa. Em que ficamos?

J. R. - O nosso leite é de excelência, dos melhores da Europa. Temos indústrias modernizadas e com capacidade instalada. Entendo que o que está a faltar é criar produtos de maior valor acrescentado que sejam capazes de chegar aos mercados alvo da forma adequada. As indústrias têm de ser mais inovadoras e empreendedoras.

- Acha que esta a ser feita uma gestão correcta por parte da EU ao nível da chamada PAC? O aumento do POSEI, no próximo quadro - comunitário, muito reivindicado por si junto do Governo dos Açores, é uma causa perdida?

J. R. - Já foi apresentada pelo Conselho Europeu uma proposta do quadro plurianual 2021-2027 que prevê um decréscimo da PAC a nível nacional, a preços constantes. Não existem para a região números conhecidos, pelo que é prematuro qualquer análise, no entanto, temo-nos debatido em Bruxelas, para que o Posei seja aumentado, de modo a cobrir os rateios existentes. O Governo dos Açores tem de acompanhar ainda mais esta nossa posição e deve empenhar-se na resolução deste problema extensivo a todas as ilhas e a todos os setores agrícolas.

- Tem vindo a alertar a opinião pública da grande importância do sector agrícola na nossa economia. Mas afinal o turismo revelou - se nesta pandemia um sector preponderante para o nosso desenvolvimento, e a montante para o sector agrícola, onde algumas indústrias de transformação de queijo estão a passar por enormes dificuldades porque não há turistas. Coabitam bem o sector agrícola e o turismo?

J. R. - Não há melhor casamento do que a agricultura com o turismo. São aliados naturais que só têm a ganhar com o sucesso do outro, mas nesta pandemia, o setor agrícola, mesmo com todas as dificuldades existentes (nomeadamente com a quebra ocorrida no canal horeca), ainda foi aquele que conseguiu suster uma quebra maior da economia devido aos efeitos multiplicadores que gera na sociedade. 

- Existe uma população de lavradores envelhecida que tendencialmente mais cedo ou mais tarde vai abandonar o sector. Está a aparecer uma nova classe de lavradores, jovens, com formação para encarar os desafios futuros?

J. R. - Esse é um trabalho que tem vindo a ser feito e que não é fácil, atendendo às muitas solicitações que a juventude tem nos dias de hoje. Temos uma média de idades de agricultores inferior à do continente e vemos muitos jovens a interessarem-se em novos projetos agrícolas, desde o leite, à carne, ao setor hortofrutícola, à vinha ou à agricultura biológica. A agricultura tem de se adaptar ao novo consumidor que cada vez é mais exigente e os jovens são fundamentais nesta nova visão que necessariamente terá de haver. A formação é uma peça essencial neste processo e por exemplo a Associação Agrícola de São Miguel, tem desenvolvido um trabalho crescente nesta área, porque temos de captar o interesse dos jovens no setor.

- Está a chegar ao fim o mandato deste Governo. Em termos globais como avalia a actuação de João Ponte à frente da pasta da agricultura. Que factores positivos e negativos gostaria de destacar?

J. R. - A Federação Agrícola dos Açores é um parceiro social responsável pelo que tem de ter sempre uma relação institucional de trabalho com o Governo dos Açores, independentemente da cor partidária. Temos trabalhado com o atual secretário regional duma forma leal e sem receios. Estamos em crer que foram tomadas medidas positivas para o setor agrícola e que poderão ser importantes no futuro. O setor agrícola necessita de soluções que por vezes são incompatíveis com a difusão constante de notícias que muitas vezes, não retratam a realidade que os agricultores sentem no seu dia a dia.