“A baixa do preço de leite significa uma perda de 4 milhões de euros” | Agricultor 2000


Presidente da Federação Agrícola dos Açores e da Associação Agrícola de São Miguel aborda carta enviada à Ministra da Agricultura sobre o Posei. Fala sobre a fileira do leite na região. Faz ainda um balanço às consequências da pandemia provocada pelo covid-19 na região.

- Como é que analisa a decisão da BEL de baixar o preço do leite, juntando-se às restantes indústrias na ilha de São Miguel?

Jorge Rita - Temos reunido regularmente com a indústria, com a presença do secretário regional da Agricultura, e só na última reunião, é que a BEL se queixou de dificuldades porque até esta data, mencionava que os seus produtos não tinham problemas de escoamento. Existe procura no mercado nacional dos produtos açorianos, que é o mercado preferencial das nossas indústrias.

Esta descida, na prática, é uma medida de oportunismo das indústrias porque no mercado nacional existe uma grande indústria, que é a Lactogal, que representa 70 por cento do leite, que não baixou o preço aos produtores.

As indústrias nos Açores esqueceram-se que durante as últimas subidas foram mais contidas, em comparação com o mercado nacional e Europeu, aumentando desta forma a diferença do preço do leite pago aos produtores na Região.

Esta tem sido uma atitude recorrente da indústria por isso, temos se encontrar alternativas capazes de alterar esta situação, e existem algumas medidas que poderão ser úteis à fileira do leite, nomeadamente, com a publicação da nova portaria da cessação da atividade agrícola que poderá ser vantajosa para muitos produtores de leite, permitindo a alguns, sair duma forma digna da fileira, deixando espaço para o redimensionamento de algumas explorações.

É bom não esquecer que no Posei, existe a possibilidade dos produtores de leite reduzirem o seu efetivo e a produção até 20%, sem qualquer penalização, o que na prática, funciona como um desligamento parcial das ajudas.

Outra medida que pode ser muito importante, é a reconversão de explorações de leite para carne de 6.000 direitos de vacas aleitantes. Se as indústrias não querem leite, então uma forma de os produtores melhorarem o seu rendimento é a adesão a esta medida que poderá impedir a ida para o abismo de muitas explorações. Esta é aliás uma medida que está a gerar grande interesse junto dos produtores de leite, porque estão cansados desta atitude unilateral das indústrias de baixarem constantemente o preço de leite. Estas são medidas que ajudam à reestruturação do setor.

Esta última descida significa uma perda de rendimentos da produção de cerca de 4 milhões de euros. É muito dinheiro para quem se dedica de alma e coração à sua atividade. Os agricultores são muito resilientes, mas existem limites que estão cada vez mais próximos.

- A incapacidade de valorizar produtos é um eterno problema?

J. R. - Sem dúvida. existem indústrias que não valorizam os produtos, porque estão habituadas a vender produtos de marca branca. Considero que os apoios comunitários para a criação e desenvolvimento das indústrias estão em causa e perante a realidade atual, os montantes destinados à transformação no próximo quadro comunitário de apoio deveriam ser direcionados para a produção, já que a indústria não consegue criar produtos de valor acrescentado. Esta situação põe em causa o projeto de diferenciação, pela qualidade, dos produtos lácteos da Marca Açores no mercado nacional e outros. 

Não vendemos devidamente o nosso produto, porque verificamos a existência de campanhas para consumo dos produtos regionais e muitas vezes são as próprias associações a promover os nossos produtos, com iniciativas mais relevantes do que as próprias indústrias, nomeadamente como o dia nacional da agricultura onde reunimos mais de 4.000 crianças e onde temos o objetivo de sensibilizá-las para a importância do setor do leite e da agricultura na sua globalidade. Também a presença em Santarém, na feira nacional da agricultura, de um stand da Associação Agrícola onde passam mais de 200 mil pessoas, é uma forma ideal de promover os nossos produtos no exterior. Todo este trabalho não é devidamente aproveitado pelas indústrias.

A fileira do leite tem de ser bem analisada, porque desta forma, a viabilidade de muitas explorações fica em causa.

A crise do setor leiteiro nos Açores é provocada pela indústria, que ao longo destes anos, nunca conseguiu produzir produtos de valor acrescentado, apesar de receberem leite de qualidade.

- Como se comportou a indústria da Região em comparação com a Lactogal, que é a maior indústria nacional na área dos lacticínios?

J. R. - A Lactogal tem uma indústria na ilha Terceira onde, claramente, ao longo dos últimos anos discrimina os produtores açorianos. Agora a nível nacional a Lactogal não baixou o preço do leite. Esta situação provocou o aumento da diferenciação do preço pago na Região em comparação com o mercado nacional e Europeu.

No mercado regional e nacional deveria haver um acordo do preço do leite, como se faz na França e outros países desenvolvidos, para garantir um preço mínimo. O que existe é uma guerra comercial absurda em que cada empresa vende mais barato. Desta forma estamos a delapidar um produto de excelência. A indústria acaba por não perder, nem a distribuição. O consumidor acaba por beneficiar, razoavelmente, mas ninguém vai consumir mais leite porque o preço é baixo.

Os agricultores, com esta estratégia comercial das indústrias, acabam por ficar numa situação demasiado precária e sem uma perspetiva de futuro sobre a importância deste setor nos Açores.

Será que estas indústrias merecem o esforço e dedicação de todo este setor? É que mesmo durante a pandemia o setor nunca deixou de trabalhar. Foram muitas as pessoas ligadas direta e indiretamente a este setor que continuaram a trabalhar, sem que houvesse uma valorização ou reconhecimento.

Nós somos o setor mais importante da economia da Região. Se não houver agricultura não existem alimentos para garantir a sobrevivência da população.

- O Governo Regional anunciou, recentemente, um reforço de 45 euros do prémio da vaca leiteira. Considera que este valor é suficiente?

J. R. - Reconhecemos que este reforço é importante, mas não é suficiente. Enaltecemos este anúncio do presidente do Governo Regional, na sequência de uma reivindicação apresentada pela Federação Agrícola dos Açores, mas é importante referir que esta ajuda não compensa as descidas do preço do leite pago pelas indústrias.

Verificamos que todo o esforço de reivindicação de apoios dos produtores acaba por ser absorvido pelas indústrias. 

A indústria pretende continuar a receber um produto de excelência a baixo preço, mas é importante que percebam que não existem fábricas sem produtores. Um bom casamento precisa de equilíbrio.

O secretário regional da Agricultura poderia tentar demover a indústria de baixar o preço do leite, apresentando as medidas de apoio criadas a nível nacional e regional para apoiar a indústria. Podiam ser encontrados caminhos alternativos à descida do leite aos produtores. Nós esperávamos uma maior intervenção do secretário da Agricultura, porque é nos momentos difíceis que precisamos do poder político.

Verificamos que as indústrias não atenderam à carta enviada pelo secretário da Agricultura, para não baixarem o preço do leite.

- Quando é que deverá ser pago o apoio adicional de 45 euros por vaca leiteira?

J. R. - Considero que o pagamento deveria ser pago o mais rapidamente possível para contribuir para a liquidez dos produtores. Nós estamos numa situação de descida do preço do leite, provocando menos receita numa fase em que aumentam as despesas com as sementeiras dos terrenos agrícolas e recolha de forragens.

É importante garantir a capacidade dos produtores cumprirem com os seus compromissos. Os pagamentos à banca, finanças e segurança social são obrigatórios e não podem ser adiados, mas existem outros compromissos que precisam de ser pagos. Muitos produtores sentem dificuldade em pagar todas as suas contas no final do mês.

Quem fica para trás são os fornecedores. Esta situação provoca um grande problema de tesouraria dos fornecedores de alimentos e equipamentos e aos prestadores de serviços agrícolas.

- Quais as medidas que ainda faltam e que devem ser implementadas no setor agrícola?

J. R. - Necessitávamos que a Região efetuasse o pagamento de todos os apoios aos produtores e às organizações o mais rapidamente possível. Temos apresentado ao secretário regional da Agricultura algumas medidas essenciais, como a diminuição nos preços de eletricidade e água, novo safiagri (como aconteceu no passado), transportes marítimos, supressão das taxas de abate, redução no preço do gasóleo agrícola e acabar com os rateios no POSEI.

Do Governo da República precisamos que desenvolva os mecanismos necessários capazes para isentar o pagamento da Segurança Social, durante seis meses ou mais, e do pagamento por conta. Não queremos o adiamento dos pagamentos, porque isso significa adiar o problema para a frente.

 - Espera receber algumas verbas da União Europeia para compensar a perda de rendimento provocada pelo Covid-19?

J. R. - Temos essa expetativa, mas não sabemos o que vai acontecer. Esperamos que os eurodeputados nacionais ligados à agricultura na Europa façam o seu trabalho e reivindiquem apoios para a agricultura, especialmente para uma região ultraperiférica, como é o caso dos Açores.

Aguardamos que a antecipação das ajudas aos agricultores seja feita até 15 de agosto e ainda que sejam criadas medidas de mercado da União Europeia para corrigir estas situações de crise, como aconteceu recentemente na Lituânia, que recebeu 30,5 milhões de euros para o setor agropecuário, medida semelhante à que tinha acontecido para o setor da carne na Irlanda, que recebeu uma ajuda de 50 milhões de euros.

- Como é que está a decorrer o regime de transição entre quadros comunitários de apoio?

J. R. - Temos acompanhado atentamente esse processo que é de grande importância para a agricultura regional. Ainda recentemente, enviámos uma carta à Ministra da Agricultura que pretendeu alertar para a necessidade do envelope financeiro do Posei se manter durante o regime transitório, embora o que pretendamos é o seu reforço.

Por outro lado, deve desenvolver os mecanismos adequados que seja capaz congregar esforços junto dos Estados francês e espanhol e os outros Estados-Membros com Regiões Ultraperiféricas, para que apresentam uma posição comum e de força na defesa da Agricultura e dos Agricultores das Regiões Ultraperiféricas e esclareça junto da Presidência croata do Conselho e da próxima Presidência alemã quanto ao relevo, impacto e caracter insubstituível dos POSEI nas Regiões Ultraperiféricas.

Apelou-se também à ministra para que sensibilize os restantes Estados-Membros, enquanto membros do Conselho, a apoiarem a posição do Parlamento Europeu relativa à importância da dotação orçamental do POSEI-Açores.

Este trabalho de defesa dos interesses dos agricultores Açorianos tem sido feito duma forma persistente em Bruxelas, junto dos representantes portugueses, do parlamento europeu, do conselho europeu e da comissão europeia.

- Esta era uma altura de grandes eventos no setor que não se realizam este ano devido à pandemia do covid-19. Que sensação fica com a ausência destes eventos?

J. R. - É uma sensação muito estranha. Tivemos de cancelar alguns eventos de grande importância para o setor.

Além do cancelamento do dia nacional de agricultura, que é um evento de grande qualidade e com cariz didático, também a Feira Açores que este ano se realizava em São Miguel foi cancelada e não nos podemos esquecer que incluía o concurso nacional da raça Holstein Frísia, que serviria de montra dos nossos animais não só a nível nacional, mas também com repercussões a nível internacional.

São situações que nos entristecem, mas em primeiro lugar está a saúde pública.

Felizmente que já foi possível reabrir a dia 16 de junho, o restaurante da Associação Agrícola de São Miguel, o que para nós foi um motivo de orgulho e de grande satisfação porque a decisão de encerrar o restaurante, ainda numa fase inicial das consequências da pandemia, foi muito difícil, custou-nos muito.

Não nos podemos esquecer que este é um restaurante fundamental para a promoção dos nossos produtos, sendo um caso exemplar de sucesso não só junto dos Açorianos, mas principalmente de quem nos visita.

Praticamente, todos os que visitam São Miguel, vêm ao nosso restaurante pelo menos uma vez, existindo muitos que não conseguem deixar de vir mais do que uma vez.

É claramente uma referência na restauração micaelense e Açoriana.