Devido à lavoura estar descapitalizada são precisos mais aumentos do preço de leite | Agricultor 2000


O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel aborda a recente subida do preço de leite pela Bel, nos meses de novembro e dezembro, mencionando que são precisos mais aumentos nos próximos tempos. Aborda a candidatura aprovada para a promoção dos produtos lácteos no Canadá e ainda as baixas expetativas do setor perante o plano regional anual apresentado pelo Governo Regional para 2019.


- Uma preocupação da Associação é sempre o preço de leite. A Bel anunciou um aumento de 1 cêntimo para os próximos meses de novembro e dezembro. Como vê este aumento?

Jorge Rita - Não é o aumento que desejávamos, já que entendíamos que as indústrias deveriam subir, pelo menos, 1,5 cêntimos em todas as ilhas dos Açores, para acompanhar o aumento que houve a nível nacional e também devido ao crescente diferencial do preço do leite pago aos produtores no continente e na Europa.

Para o continente a diferença está em três cêntimos, enquanto que para a Europa existe uma diferença de seis cêntimos.

Continuamos a entender que o leite à produção é muito mal pago nos Açores e comprovamos isso, porque em 27 países da União Europeia, só há três países que recebem menos pelo leite e não têm tradição de produção.

No fundo a Bel está a repor aos produtores o que retirou durante algum tempo e espero que as outras indústrias também apresentem uma reação a esta atualização de preços, já que esta subida de preço representa um desafio para as outras indústrias se posicionarem e quem sabe, inclusivamente, apresentar subidas superiores.

Temos de reduzir o diferencial do preço do leite na região em relação ao continente e Europa.

Dou como o exemplo a Holanda, que definiu uma estratégia de abate de 250 mil vacas e conseguiu subir o preço do leite, em dois anos, e atualmente, o preço do leite está a ser pago a 38 cêntimos por litro, mas em breve vai subir para 40 cêntimos por litro.

Nos Açores não se pode continuar a ter um discurso de um produto com uma grande qualidade quando os produtores sentem grandes dificuldades neste momento, e termos uma indústria que está a pagar o leite a preços tão baixos.

Os industriais alegam sempre com questões do mercado, mas essa não pode nem deve ser uma preocupação dos agricultores porque nós também temos as nossas dificuldades. É que para produzir com a qualidade que é exigível, nem todos nós temos água ou eletricidade dentro das nossas explorações.

Existe aumento dos custos de produção e ainda não se conhece, com profundidade, os efeitos da seca sentida ao longo deste ano que prejudicou a produção de milho forrageiro, utilizado para alimentar as vacas durante o inverno.

A lavoura está descapitalizada por isso aguardamos que existam novos aumentos do preço de leite.

 - A aprovação da candidatura para promoção dos produtos lácteos açorianos é uma vitória da Associação Agrícola?

J. R. - Essa é uma candidatura que foi feita com base no programa da União Europeia, promovido pela deputada Sofia Ribeiro na região à uns anos. Na altura, a Região não se tinha candidatado para fazer promoção dos produtos regionais.

Atendendo a essa situação, nós reunimo-nos no Centro Açoriano de Leite e Lacticínios da Região (CALL) e tentámos relançar essa candidatura. O CALL não podia ser o promotor porque não tinha estatutos há mais de três anos, e cada indústria, por si, não pode fazer a candidatura.

Só mesmo a Associação Agrícola de São Miguel, e foi o que fizemos.

Tínhamos feito a candidatura anterior e ficou muito bem classificada em termos de critérios, mas não foi aprovada. Nós insistimos este ano, com o apoio das nossas indústrias, e do IAMA. Refizemos novamente a candidatura e conseguimos a sua aprovação. São cerca de 800 mil euros que ficarão disponíveis durante três anos, precisamente, para que haja uma promoção de produtos açorianos de lacticínios e sobretudo o queijo, em Montreal e Toronto. Este apoio pode potenciar também a vinda de agentes económicos do Canadá aos Açores, (aqueles que podem ser os intermediários de uma grande distribuição), para fazerem visitas à Região, juntamente ou separadamente com alguns jornalistas que façam esse trabalho no Canadá.

- Há uma preocupação em levar os produtos lácteos açorianos aos consumidores canadianos e não ficar só pelo mercado da saudade…

J. R. - O objectivo não é só o mercado da saudade, mas todo o mercado canadiano. Queremos reforçar o mercado da saudade, que reconhece os nossos produtos, mas há um outro mercado (o canadiano), que também pode aproveitar, adquirir e apreciar os nossos produtos.

Temos todo o interesse que as nossas indústrias acabem por vender melhor os seus produtos. Pretendemos que estas promoções valorizem mais os produtos lácteos e que isso tenha retorno para os produtores açorianos que é o que nós pretendemos.

É por isso que estamos satisfeitos com a aprovação deste projecto que muitos não acreditavam que fosse possível ao nível da União Europeia. Existe um bolo financeiro para todos os países que se candidatam. No Governo nacional houve uma série de candidaturas e nenhuma delas foi aprovada e, na Região, felizmente, tivemos esta candidatura aprovada.

- Estas promoções poderão levar a que aumento das exportações?

J. R. - É sempre difícil fazer esse cálculo. Para mim, o Canadá não vai ser um mercado de escoamento, não podemos pensar nisso, é um erro. O Canadá é um mercado para os nossos melhores produtos, para aqueles que têm maior valor acrescentado.

A internacionalização dos nossos produtos ocorre por via dos produtos de maior qualidade na área dos lacticínios.

Temos de saber aproveitar o acordo do CETA entre a União Europeia e o Canadá que permite a importação de mais 16.000 toneladas de queijo por ano.

Sabemos que o Canadá é muito proteccionista ao nível dos seus produtos, mas esse proteccionismo acaba por se desvanecer um pouco, para dar oportunidade a produtos que tenham valor acrescentado e com qualidade, que tenham história ou uma produção como a nossa, à base do verde.

Temos toda uma história de produção, desde a forma como alimentamos os bovinos, o verde das nossas pastagens, a nossa imagem, há toda uma série de situações que podem ser muito favoráveis a um bom marketing e a uma boa venda dos nossos produtos.

Saibamos todos aproveitar essa situação e esperamos que a nossa indústria também tenha capacidade para perceber que este mercado também pode ser importante. Não resolverá todos os problemas do leite dos Açores, mas, se tivermos mais alguns mercados que acabam por valorizar mais os nossos produtos, então é isso que nós queremos para o futuro.

- Entretanto, a Federação Agrícola dos Açores elaborou um parecer sobre a anteproposta do pano para 2019?

J. R. - A expectativa que tínhamos era que houvesse um acréscimo de mais 20 milhões de euros, nas contas apresentadas pelo Governo Regional e o que está na anteproposta de plano para 2019 é na ordem dos 3 milhões, embora o senhor Secretário Regional diga que está na ordem dos 5 milhões.

Obviamente que fica aquém das expetativas que tínhamos em relação ao plano, porque elencámos uma série de questões que têm alguma pertinência no tipo de ajudas que são necessárias e que têm de ser contempladas. Existe o compromisso da parte do Governo Regional em várias matérias e muitas delas vão transitar para fevereiro de 2019, o que nos desagrada porque a crise está instalada no setor por várias razões óbvias, e era necessário pagar o quanto antes, os prejuízos decorrentes do período de seca que tivemos.

O Governo Regional tem aproximadamente 5 milhões de euros para o apoio à seca e nós identificámos no total, quer para a ajuda aos agricultores quer para a falta dos alimentos, cerca de 12,5 milhões de euros.

O governo comprometeu-se em investir fortemente na captação e armazenagem de água ao longo das ilhas, e perante os dados apresentados, essa pretensão não passará de mais uma intenção, se não forem canalizados mais 5,5 milhões para esta área.

É precisa ainda verba para pagamentos que se vão arrastando do tempo, nomeadamente, de cerca de 1 milhão para a ajuda aos fertilizantes e outro para o compromisso existente com o Proamaf e sanidade animal.

O Governo Regional, todos os anos, apresenta um plano e o nível de execução é baixo.

A título de exemplo, no ano de 2017, um ano em que os agricultores estavam já descapitalizados, a execução das verbas do Plano foi na ordem dos 71,4%. São dados do Governo Regional, não são nossos. Por isso, faltaram executar quase 17 milhões de euros.

Ou seja, o montante global que o Governo todos os anos apresenta, sendo que a agricultura é aquele que tem maior orçamento, não é verdadeiro.

Para a agricultura, este ano estão alocados 173 milhões de euros, que agregam 62 milhões da Região (que ainda incluem uma parte de fundos comunitários) mais os 110 milhões de outros fundos. Este valor de 110 milhões de euros da União Europeia, ao longo de sete anos, são 770 milhões do Quadro Comunitário de Apoio. E, este quadro Comunitário de Apoio só existe para a Agricultura 295 milhões de euros do Prorural+. Por isso estamos a falar de contas que não são reais e que precisam de ser desmistificadas.

O que sei é que não temos aquele valor, porque os pagamentos aos agricultores e organizações vão-se arrastando no tempo. Se existissem todos esses meios financeiros, com certeza que não continuavam a haver pagamentos em atraso por fazer.