Incomoda-me a passividade perante a República e a U.E. na defesa dos interesses dos Açores no POSEI | Agricultor 2000


Depois de ter sido reeleito como Presidente do conselho de administração da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita endurece as críticas e entende que o aumento de apenas um cêntimo no preço do leite pago à produção é pouco quando os lavradores "são obrigados a fazer das tripas coração para ter um leite com qualidade". Perante a aproximação de novas negociações do Posei, Jorge Rita diz que gostava de ver o aumento de verbas para a região como "uma bandeira nacional" embora admita "não ver na região força política a nível nacional para conseguir essas reivindicações". Uma questão que o "entristece" já que denota que "o governo regional é submisso ao governo central e na agricultura isso é por demais evidente"

- Já há muito tempo que a Associação Agrícola reivindica um aumento do preço do leite. Finalmente aconteceu, mas não nas proporções que têm vindo a reivindicar.

Jorge Rita - É um aumento muito aquém das expetativas já que perspetivávamos um aumento muito acima daquele que foi feito. Parece-me que há uma concertação da parte da indústria, com conivência do Governo Regional, porque primeiro, foi o anúncio da Prolacto de aumentar 1 cêntimo, depois a Insulac 1 cêntimo, a Bel 1 cêntimo e finalmente a Unileite com 1 cêntimo, ainda por cima com o secretário regional a dizer que tinham reunido recentemente. Se estiveram reunidos, para além das subidas que já tinha havido, e com a última da Unileite, parece-me uma posição concertada. Aliás, estes assuntos deveriam ser discutidos e analisados no CALL. 

As indústrias aumentam 1 cêntimo e a indústria da lavoura também só aumenta 1 cêntimo e é a última a anunciá-lo, o que limita o aumento do preço do leite. E não era isso que esperávamos, não é o que a lavoura espera porque uma fábrica que tem tido grandes e bons investimentos, com momentos muito bons para os produtores, em que liderou o preço pago aos produtores, deveria fazer mais pela lavoura.

Grande parte da justificação do investimento nesta mesma indústria foi para alavancar os preços, mas no momento, não o faz. Tem que assumir responsabilidades.

Chegamos à conclusão que o melhor leite do mundo é o mais mal pago da Europa e esse é um slogan que não vou deixar cair, porque aos produtores tudo é exigido. Somos obrigados a fazer muitas vezes das tripas coração para ter um leite com qualidade, que é nossa obrigação, mas a muito custo. Esse custo e o suor dos lavradores não é valorizado pelas indústrias.  

Não pode ser sempre o produtor o elo mais fraco de toda a fileira. Estamo-nos a endividar cada vez mais. Não vejo que as indústrias se endividem, todas fazem grandes investimentos e têm resultados bons, o que não é negativo para nós, mas gostávamos que fosse transversal em toda a fileira e os produtores também ganhassem com essa situação e não é isso que acontece. Daí a nossa grande indignação, que nos envergonha até porque na Terceira o aumento do preço do leite à produção foi de 2 cêntimos, no continente foi 2 cêntimos em que o somatório das subidas no continente é de 4 cêntimos.

Há qualquer coisa que não percebemos porque ou não sabemos vender aquilo que temos, ou as indústrias continuam a ganhar muito mais, à custa do suor e do trabalho dos lavradores.

Fui eleito para defender os interesses dos produtores, com uma grande votação, maciça e assim, a lavoura responsabiliza-nos para termos esta atitude perante a indústria e o governo.

A indústria tem de fazer mais, por exemplo, a procura mundial da manteiga tem sido extraordinária, originando preços record nos mercados. Tendo os Açores manteigas excecionais, como é que nós, não aproveitamos esta situação?

- Perante as declarações do Secretário Regional da Agricultura e Florestas, que reconheceu o desvio de valores do leite na região em relação ao continente, diz que foi feito o possível pelas indústrias. Acha que foi efetivamente feito tudo para aumentar os preços à produção?

J. R. - Penso que o Secretário Regional da Agricultura tem um discurso que quer agradar a todos e quando assim é, não é a melhor forma. Todos temos consciência dos baixos rendimentos, e o senhor Secretário também devia conhecer as contas dos lavradores. Essa era a sua obrigação.

Esse tipo de discurso de acalmia das hostes, é porque se calhar o governo regional pode estar em dívida para com as indústrias. Ou está a assumir perante a indústria que é conivente com a estratégia de algumas indústrias, algumas das quais que se revelaram totalmente erradas na região nos últimos anos.

Enquanto umas indústrias obrigaram produtores a produzir menos, outras, de forma anárquica, deixaram produzir consoante o livre arbítrio e hoje deviam ser responsabilizados por essa situação. O governo regional não tomou qualquer tipo de posição em relação a essa matéria. Fez como Pilatos. E quando um governo faz como Pilatos, depois tem pouca moralidade para falar sobre esses assuntos.

 - Em relação aos 12 milhões de euros anunciados para o Prorural+?

J. R. - Penso que o Senhor Secretário está a fazer demagogia dos números. Não há mais 12 milhões de euros. O que há são as verbas que estão no Quadro Comunitário de Apoio (QCA) em que existem períodos de candidatura e esta próxima candidatura tem o valor alocado referido. Este valor já está programado no Prorural+ desde a sua entrada em vigor.

 - Isso vem ao encontro do que tem vindo a dizer que se apregoam milhões e são apenas tostões…

J. R. - É uma realidade. Essa é a mensagem que se tenta passar, mas ainda existem muitos pagamentos aos agricultores da responsabilidade do governo regional que continuam por pagar e ainda não se sabe quando vai acontecer.

Numa situação tão difícil, gostávamos que o governo regional fosse mais expedito nos pagamentos com que se compromete. Até porque sabemos o calendário do IRS e da segurança social e não podemos falhar porque as coimas são absurdas e os juros de mora são impressionantes, mas ninguém cobra juros de mora ao governo regional.

- Falou nas eleições. Foi mandatado com grande votação para continuar na defesa dos agricultores, sente-se reforçado?

J. R. - Revigorado e reforçado. Se tivéssemos uma votação mais pequena, estávamos mandatados da mesma forma para continuar o nosso trabalho, mas as pessoas percebem claramente que dando uma votação destas ao Presidente da Associação Agrícola de São Miguel estão a dar-lhe responsabilidade e muita força para continuar a reivindicar.

Sentimo-nos bem porque a lavoura sabe que tem alguém que é capaz de os defender de forma destemida, que diz o que pensa e que diz as coisas nos momentos apropriados para defender os interesses dos lavradores.

Ficamos muito satisfeitos com esta votação porque é um sinal inequívoco de que a lavoura confia neste conselho de administração e reforça a nossa posição, mas que também nos responsabiliza cada vez mais. 

- Reivindicação que vão continuar a fazer. Vêm aí as negociações dos fundos comunitários após 2020, gostava que essa reivindicação também se desse por parte dos governos, quer regional quer da República?

J. R. - Estamos a assistir a uma acalmia política na Região Autónoma dos Açores em relação ao governo central. Enquanto com o governo de oposição foi diferente porque tínhamos recorrentemente notícias contra o Governo da República, fosse na saúde, na agricultura, no mar, e noutras áreas. Ainda não vi da parte do senhor Secretário Regional da Agricultura atual ser tomada uma posição firme em relação ao governo central e ao Ministro da Agricultura. 

O que precisávamos era de ter uma reação muito forte perante a República e a União Europeia nas decisões de interesse regional. Muito sinceramente não vejo na região força política a nível nacional para conseguir essas reivindicações. Isto incomoda-nos e entristece-nos porque somos uma região ultraperiférica e a questão dos fundos comunitários tem que ser uma bandeira regional. E não sei se essa bandeira está a ser devidamente acautelada.

Criou-se o espaço para o lobby em Bruxelas, mas isso poderá não ser suficiente. O lobby não se faz com uma pessoa em Bruxelas, nem com o espaço. O lobby faz-se com organizações, com grupos de pressão. Não é o governo e o Secretário irem lá sozinhos que resolvem os problemas.

Os programas comunitários, nomeadamente o Posei e o Prorural+, são os melhores instrumentos financeiros que temos para a agricultura, mas têm quase todas as medidas esgotadas. Ao existirem muitos rateios no Posei, só existem duas soluções, ou colmata-se com o orçamento da região ou tem-se capacidade reivindicativa junto de Bruxelas que seja capaz de aumentar as dotações. Já fui muitas vezes solicitado para ir a Bruxelas em defesa do Posei e da sua manutenção e estou sempre disponível para isso, mas é preciso é que a região e o Estado membro nos convidem, porque eles é que têm assento em todas as negociações. Teremos todo o gosto em estar lá a fazer pressão em prol dos Açores. Deve também existir uma estratégia conjunta entre as regiões ultraperiféricas porque todos unidos temos maior capacidade de reivindicação.

- O Posei é sempre uma preocupação..

J. R. - Sem dúvida, temos trabalhado com o governo regional na procura das melhores soluções para o Posei, no entanto, continuamos a aguardar a versão final entregue em Bruxelas, após os vários pareceres emitidos. Nas negociações com a comissão é necessário defender intransigentemente a região ao abrigo do tratado que institui as regiões ultraperiféricas. Como todos sabemos, o Posei é o programa comunitário que reconhece as nossas especificidades, que nos diferencia dos outros e por isso, deve ser sempre, encarado por todos, como estratégico e imprescindível.