2022 foi um ano importante para a agricultura, que apesar de ter começado mal, terminou bem, fruto das reivindicações da Federação Agrícola dos Açores | Agricultor 2000


Jorge Rita Presidente da Federação Agrícola dos Açores diz que setor entra em 2023 com muitas “preocupações e incertezas”, pelo que a atuação do Governo Regional dos Açores deve ser célere e determinada. E deixa um aviso à indústria para que não pense em baixar o preço pago ao produtor

Arrancámos 2022 de uma forma totalmente diferente do passado. Fazendo um balanço final do que foram as nossas reivindicações, a maioria foi aceite. O preço do leite chegou a um patamar que pretendíamos. As estratégias do Governo Regional dos Açores em concertação com a Federação Agrícola dos Açores foram positivas. Todo um cenário positivo na agricultura, no ano de 2022, apesar das dificuldades, que são aleatórias à Região e as quais não controlamos, que tem a ver com o crescimento brutal dos custos de produção e as suas implicações que afetaram todos os setores da atividade económica da Região. Mas é bom reconhecer que foi um ano que terminamos numa boa fase. Lamentamos que as indústrias, ao nível dos laticínios, tenham retardado as subidas, mas que até ao final do ano tomaram uma posição interessante para os produtores. Ao nível da carne, do setor hortofrutícola e das outras produções agrícolas, foi um ano mais equilibrado que o anterior, embora o caso da vinha, tenha sido mais preocupante.

- Vamos olhar agora para 2023: de que forma parte a agricultura para o novo ano?

Jorge Rita - Estamos a arrancar 2023 com muitas preocupações e incertezas, e não sabemos se as soluções apresentadas serão suficientes para mitigar aquilo que são os verdadeiros custos de produção ligados ao setor. Nomeadamente, as matérias-primas, a energia e a mão de obra. São situações complexas. Há que acrescentar os custos financeiros, relacionados com as taxas de juros, que poderá trazer muitas dificuldades. A brutal subida das taxas de juro pode asfixiar, não só as famílias nos créditos à habitação como se fala muito na comunicação social, mas essencialmente as empresas, os agricultores, todos aqueles que normalmente também têm dívidas na banca. Ou seja, quem faz mover a economia é quem deve na banca. Essa situação pode ser dramática: estamos a arrancar 2023 numa situação de muita preocupação.

O aumento brutal da energia, com reflexos nos produtores agrícolas, uns de forma direta, que são aqueles que estão com média tensão, serão aumentados em mais de 50% na energia elétrica. Depois, o reflexo que isso tem nas fábricas de ração, nas indústrias de laticínios, tudo isto poderá asfixiar o setor na Região Autónoma dos Açores.

Nós temos dado conta disso, mais do que uma vez e temos expectativa para saber o que o Governo Regional dos Açores irá fazer para minimizar o impacto brutal da energia que abrange todas as indústrias, em conjunto com o Governo Regional da Madeira, pois foram as regiões mais visadas neste aspeto.

Temos a inflação que não sabemos se vai estagnar ou não. E temos os custos com a mão de obra: todos nós temos consciência que as pessoas têm de ganhar mais. Para além da falta de mão de obra, que é uma situação grave, temos de aumentar a existente, pois é justo que se faça, atendendo à inflação, que afeta todos. Os funcionários afetos ao setor agrícola também têm as suas famílias e têm de ter sustento para viver com dignidade que merecem e precisam.

Esperamos que o setor hortofrutícola, a vinha, a agricultura biológica, a floresta, a carne e o leite se mantenham estabilizados. Se essa situação se reverte, a qualquer momento, ficamos numa situação desconfortável.

Estamos a arrancar 2023 com muitas incertezas e inseguranças. Por isso, deixo aqui um desafio para todos: temos de nos articular muito bem na Região Autónoma dos Açores, perceber claramente o percurso que temos de percorrer nesta fase difícil e ser muito cirúrgicos nos investimentos e ao nível do aproveitamento dos fundos comunitários e do PRR, para que a economia não se fragilize mais do que já está. Se a economia da Região Autónoma dos Açores fragiliza, no caso do setor da agricultura, vamos ter problemas gravíssimos a jusante, em termos económicos e sociais e até territoriais. Pois queremos fixação de pessoas nos meios rurais e isso faz-se com a agricultura sustentável.

- E quanto aos desafios, o que se perspetiva para 2023?

J. R. - Continuar a produzir com excelência, tanto na área do leite, da carne e do setor hortofrutícola. Estamos perfeitamente alinhados com aquilo que o Governo defende, o que os agricultores e os açorianos querem. Não temos dimensão nem escala, pelo que temos de ter a valorização pela diferenciação das nossas produções e dos nossos produtos endógenos. Temos de trabalhar todos em conjunto, aproveitar os fundos e aplicá-los bem. Todas as ajudas da Região Autónoma dos Açores têm de ter retorno para a economia regional. São essas as grandes vontades que temos, mas existe uma preocupação latente de todos quanto às incógnitas de 2023. É transversal a toda a economia.

- Urge o Governo atuar nesse sentido, principalmente nos custos de energia e nas taxas de juro?

J. R. - Sim. Nós percebemos que todos os setores da economia acham que têm direito e nós não temos nada contra eles, cada um tem de fazer o seu trabalho e o seu papel. Mas é preciso que todos nós percebamos: os governos servem para intervencionar quando existem crises. E este Governo tem de estar muito bem preparado, do nosso ponto de vista, para esta crise que já está há algum tempo e que se acentua, cada vez mais, devido a essas situações.

Onde é que o Governo pode atuar, no nosso ponto de vista? Será sempre importante atuar a montante, nos custos da energia, nas taxas de juros, com alguma negociação com o BCE, na criação de créditos bonificados para alguns setores económicos da Região, como a agricultura; para não falar naquilo que é o PRR, que devido a algum atraso nalgumas medidas, não está a ter o impacto que desejaríamos neste momento. O Governo tem de estar atento e muito preparado para esta situação de crise latente. Na questão da energia, o governo pode arranjar uma forma para que todos os setores da economia não sejam penalizados, pois não estou a ver onde é que as empresas regionais vão ter receita para colmatar todos estes aumentos de despesas. Vai-se exigir muito do Governo Regional, do Governo da República e da própria Europa, para este ano de 2023.

- Será um ano de sobrevivência e não de investimento?

J. R. - O Quadro Comunitário de Apoio é fundamental porque temos necessidades urgentes de fazer investimentos, pois há mais de 2 ou 3 anos que não existem na área da agricultura, mas existe falta de mão de obra para alguns investimentos que precisamos de fazer, ao nível de construções e melhoramentos nas explorações. Temos os envelopes financeiros mas podemos não ter capacidade financeira, devido às taxas de juro que irão ser aplicadas. Temos um quadro comunitário de apoio que pode ser aliciante em termos de apoios ao investimento e podemos não ter condições para o fazer.

- O preço do litro de leite pago ao produtor já chegou a um patamar interessante. No entanto, o preço vendido ao consumidor tem subido drasticamente. É algo que o preocupa?

J. R. - Nós temos um desafio grande e constante, a nível regional e nacional, que é a transparência. E penso que todos sabem onde está o problema, mas ninguém age, ou muito raramente se age. O que nos preocupa é que países em que o leite é mais bem pago que o nosso, consegue vender produtos baratos em Portugal? Nós não sabemos. E depois temos uma distribuição que muitas vezes, não colabora. Onde está a fiscalização? Quando os produtos são vendidos abaixo do preço de custo, há uma palavra inglesa para isso: dumping. Quando é que se aciona os mecanismos para verificar esse dumping?

E isso influencia o discurso dos nossos industriais, que começam a dizer que pode haver no mercado leite doutros países mais barato . Mas a indústria tem de fazer o seu trabalho nas suas organizações, ao nível da ANIL, da Lactaçores, da Lactogal e de outras grandes empresas a nível nacional, para pressionar os governos para que se fiscalize essa situação de dumping ou não.

A outra situação relativa ao leite é que alguns produtos que foram para o mercado atingiram preços muito acima daquilo que era expectável. E que não se reflete verdadeiramente no produtor. É um facto que o leite ao produtor chegou a patamares que, no princípio do ano não pensávamos que seria possível, mas também é bom dizer que a última subida de 3 cêntimos no Continente, na Região não foi refletida. O diferencial entre Açores e Continente acentuou-se.

Se as indústrias continuarem a pensar que vão ter sempre leite disponível e barato, penso que já tiveram o exemplo deste ano: não há mais leite disponível e barato. Se temos uma redução de 40 milhões de litros de produção de leite em 2022, este ano pode-se acrescentar outro tanto ou parecido, não sabemos. Refira-se que deste valor, cerca de 10 milhões de litros de leite resulta da portaria referente à conversão de produtores de leite para a carne. O ano começa com os problemas todos que referi, se a indústria não melhorar o preço do litro de leite, não vejo que papel a indústria quer ter, perante os seus produtores, para que continuemos a produzir leite ao preço atual.

- A estratégia da redução do leite pode continuar?

J. R. - Pode, se a indústria não tiver uma atitude proativa na resolução do problema da venda e de pagar melhor aos produtores. Porque não podemos fazer milagres. Identifiquei aquilo que foram os aumentos dos custos de produção, e se as indústrias quiserem baixar o preço do leite, nós temos um mecanismo, que é reduzir.

Vou dar um pequeno exemplo: quando durante o ano passado estivemos a discutir o preço do leite e dizíamos que as indústrias iam por arrasto, tardiamente, tivemos razão, porque chegámos ao final do ano e até houve indústrias que acharam que tinham lucro a mais para repercutir parte desse lucro pelos produtores. Mas esse lucro a mais que tiveram foi por não pagarem devidamente aos produtores! Os produtores não precisam que as indústrias de laticínios lhes façam de banco das suas poupanças: precisam é que lhes paguem um preço justo pelo litro de leite. E isso é um preço por litro de leite em que todos nós nos sentimos confortáveis, capaz de suportar as nossas despesas e encargos, e termos uma vida estável com mais rendimento e dignidade que todos nós precisamos e merecemos.

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