Jorge Rita apela à união no setor do leite para “sair deste sufoco que nos foi imposto” | Agricultor 2000


Na inauguração do III Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono, o Presidente da Associação Agrícola de São Miguel destacou que é urgente a necessidade que os agricultores sentem para que ocorra na Região um aumento do preço do leite à produção para "sairmos deste garrote financeiro em que nos encontramos". Jorge Rita referiu que "o turismo, ou outro qualquer setor, não terá qualquer sucesso no arquipélago se não houver uma agricultura sustentável" e para isso tem de haver uma boa articulação entre todos os intervenientes na fileira para que se consigam ultrapassar as dificuldades que atualmente afligem o setor

Os produtores de leite açorianos têm "expetativas legítimas" que, perante os sinais de retoma a nível internacional, possam levar a que "o preço aumente rapidamente para que se saia deste garrote económico que nos foi imposto". As palavras são do Presidente da Associação Agrícola de São Miguel, Jorge Rita, durante a inauguração do III Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono e que espelham a esperança de todos os produtores de leite açorianos.

Perante um cenário de grandes dificuldades que ensombram o setor, nomeadamente devido ao embargo russo, à abolição das quotas leiteiras e outras situações que acabaram por agravar a situação do setor leiteiro, "a expetativa que temos são as retomas e a evolução dos preços nos mercados internacionais". Jorge Rita destacou que "a retoma existe, há vários países que já aumentaram o preço do leite ao produtor. As cotações do leite em pó e da manteiga têm aumentado substancialmente e estamos a falar de dois produtos transformados com que a indústria mais se queixava quando era para justificar as baixas do preço do leite" e por isso a aspiração de todos é que o preço do leite "aumente rapidamente".

O setor agrícola, e particularmente o do leite, devem ser "uma grande prioridade para o Governo Regional", já que é o "maior e melhor setor de atividade da Região". Um setor que produz bens transacionáveis e de exportação, "e se a Região tem alguma boa capacidade de exportação e se tem uma balança comercial mais ou menos equilibrada deve-se ao setor agrícola e de forma mais concreta ao setor leiteiro".

Jorge Rita especificou que "se o mercado quer inovação, as indústrias têm de estar preparadas para a diferenciação dos seus produtos, para a inovação dos mesmos e para novos mercados".

Isto porque, "os mercados tradicionais não trazem mais valias, levam parte daquilo que é exportável, mais de 80% do que sai dos Açores é para o continente português que possivelmente não irá melhorar muito mais a situação da valorização dos lacticínios".

Continuou Jorge Rita, que acredita que através do Centro Açoriano de Leite e Lacticínios (CALL) se podem potenciar mais apoios para a procura de novos mercados. "Temos produtos de excelência, de eleição, temos o melhor leite do mundo e o melhor queijo do mundo e é com esta convicção que temos de defender o que são as nossas opções regionais", referiu Jorge Rita que acrescentou que a Marca Açores associada ao selo de qualidade que é a pastagem açoriana, é essencial para a valorização dos produtos lácteos regionais.

"Essas são condições essenciais para conseguirmos ultrapassar o que hoje é um momento de grande constrangimento", para além de um lobby em Bruxelas "que é indispensável".

Ao nível europeu, o Presidente da Associação Agrícola de São Miguel defendeu que a região deve aliar-se a outras Regiões Ultraperiféricas europeias. "Quando falo de Bruxelas, falo em associarmo-nos a outras Regiões Ultraperiféricas porque os envelopes financeiros quando são destinados a nível nacional para cada Estado-Membro, existe sempre dificuldade em discriminar positivamente as Regiões. E o caso concreto aconteceu com os dois últimos governos que não houve discriminações positivas para os Açores, em matéria de distribuições de apoios que vieram da União Europeia", disse.

Jorge Rita destacou aliados como "as Canárias, os DOM's Franceses e a Madeira, porque aí sim, todos em conjunto e juntando sinergias, poderemos lutar de forma integrada por ser reconhecidos como Regiões Ultraperiféricas e com orçamento próprio dentro da PAC. É neste enquadramento que devemos reivindicar perante Bruxelas".

Na cerimónia de inauguração do III Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono, Jorge Rita voltou a salientar que nos Açores não existem alternativas ao setor leiteiro, "existem complementaridades", como o turismo. "Somos defensores da diversificação da economia da Região, e o turismo possivelmente vai ajudar para que a Região cresça de forma sustentável em termos económicos, ambientais e sociais. Mas não há nenhum setor na região que consiga vingar nos próximos anos se não tivermos uma agricultura sustentável. A agricultura, para além de produzir bens essenciais para a nossa alimentação, para além de produzir bens transacionáveis para exportação, tem uma paisagem quase intacta, os turistas vêm por causa desta paisagem que permite também uma coisa fundamental, que é a fixação das pessoas nos meios rurais. E nenhum outro setor faz isso melhor do que a agricultura".

Neste sentido, Jorge Rita deixou um apelo ao novo Governo Regional para que continue a apostar no setor ao nível das infraestruturas agrícolas para que possa haver redução dos custos de produção. Por exemplo, "se tivermos eletricidade teremos mais receita porque temos leite frio, que tem outra valorização, e se tivermos água e bons caminhos, teremos mais margem pela redução das despesas".

Apesar de lembrar que muito já tem sido feito ao nível das infraestruturas agrícolas, Jorge Rita ressalvou que é preciso também falar na reestruturação do setor. "Há muita reestruturação que está feita, houve crescimento do setor, com reformas antecipadas associadas ao rejuvenescimento do setor pela entrada de jovens agricultores, mais os resgates leiteiros que foram trabalhados sempre com as associações", mas confessou que "ainda não estamos satisfeitos".

Nomeadamente ao nível das reformas antecipadas "o desafio continua", porque se não for dessa forma, "os jovens não têm qualquer tipo de hipótese de entrar no setor".

E há condições para que os jovens entrem na agricultura e "tenham a garantia da sustentabilidade, do retorno do seu investimento, da sua formação, da sua ambição, mas há também os desgastes psicológicos, constrangimentos a nível burocrático e financeiro, que têm a ver principalmente com a segurança social", uma situação que ainda só está parcialmente resolvida.

Lamentou que não tenha havido uma estratégia conjunta da fileira do leite para o controlo da produção e estranhou a postura duma indústria que impôs uma redução de produção de leite aos seus produtores para mais tarde, comprar leite a outra indústria que não teve a mesma atitude de limitar a produção, "os produtores é que sentiram os prejuízos da imposição de uma redução de produção de leite e a indústria, depois, compra leite a outra a preços baixos, que não teve a mesma postura no mercado", mencionou.

É por isso com "grande expetativa e com muitos desafios" que vivem atualmente os produtores de leite que enfrentam "uma crise bastante dolorosa em termos de rendimento" e Jorge Rita apelou ao Governo Regional para que "haja regularização de pagamentos que ainda faltam até final do ano, para que alguns produtores não se sintam discriminados, nomeadamente, no que se refere a pagamentos do Safiagri III, proamaf, adubos e resgate leiteiro".

O Presidente da Associação Agrícola de São Miguel referiu que o III Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono é também uma prova de união do setor na Região. "Vamos continuar a fazer estes eventos que também servem para aumentar a auto-estima dos produtores, não podemos entrar num desânimo total, todos temos de dar uma tónica positiva", referiu Jorge Rita que acrescentou a importância de mais um concurso organizado pela Associação Agrícola de São Miguel. "Estamos a falar dos melhores concursos que se fazem a nível nacional, de grande relevância e com grande aceitação por todos os que nos visitam e que conhecem a genética que se implementou nos Açores nos últimos anos, com o dinamismo e com a evolução que teve, não só pelo trabalho que foi feito pelos criadores mas pelas organizações também e pelo Governo Regional", lembrou ao acrescentar o melhoramento da sanidade animal que potencia uma melhor genética na Região.

O III Concurso Micaelense Holstein Frísia de Outono contou com 190 animais de 62 explorações, um grande número quando comparado por exemplo com um concurso realizado a nível nacional que teve menos de 130 animais de 20 explorações.

Um exemplo da paixão que os produtores dos Açores sentem em relação ao seu trabalho, já que "costumo dizer que quem quer ser produtor de leite e agricultor tem de ter uma coisa fundamental e básica: tem de ter paixão, tem de gostar da terra e das vacas". Só assim se conseguem ultrapassar as dificuldades que se colocam atualmente ao setor, fazendo também no final da sua intervenção 'um apelo à união de todos em prole do maior e melhor setor da atividade económica da região autónoma dos Açores'.